Histórias de uma portuga em movimento.
31
Mai 04
publicado por parislasvegas, às 03:08link do post | comentar
Dia da Santíssima Trindade. Feriado em todo o mundo Ortodoxo. Nas Ruas não há ninguém, tudo fechado, ninguém a trabalhar. E eu, feita estúpida, a bulir.Merda prós valores capitalistas. Nestes dias, fico perigosamente revolucionária...

30
Mai 04
publicado por parislasvegas, às 01:39link do post | comentar
Ontem, hoje e manhã festejam-se os três dias da cidade. O centro está cortado ao trânsito. Milhares de pessoas, vindas dos quatro cantos deste país enorme passeam na rua. Muitas só visitam a capital nestes feriados e aproveitam para tirar os olhos de miséria. Tiram fotografias das montras das lojas e dos bons carros que aqui circulam para depois mostrar à família. A diferença entre a capital e as pequenas cidades é alucinante. Parecem cidades de países diferentes. A capital já tem centros comerciais, está pejada de restaurantes e lojas "finas". As cidades mais pequenas ainda só têm os velhos "gastronom" soviéticos e mercados de rua, estilo terceiro mundo.Por isso estes dias de feriado aqui são um autêntico "freak show" onde se vê de tudo.
Eu ontem não estava lá com muita disposição para sair à rua e misturar-me na festa. Ainda por cima, havia concerto da vencedora do Eurovisão - gratuíto - já podem imaginar a multidão que cá andava.
Por isso, resolvi aceitar o convite de um amigo para passar o dia numa "dacha" (casa de campo) a jogar futebol, beber cerveja e comer frango assado (não tudo ao mesmo tempo, claro).Passei o dia de papo pró ar a apanhar sol (yes, yes!), comer cerejas e a ser comida pelos mosquitos. Nos intervalos lá fui dando um chutes na bola, só pra fazer de conta que estava a entrar no espírito do "fazer exercício".
Passaram-se assim 6 horas de picardias entre Latinos e Eslavos, Católicos e Ordotoxos e claro, como não podia deixar de ser, entre espanhóis e portugueses. Do estilo "Porque é que vocês, quando se apresentam, fazem questão de pôr um título de 3 metros à frente do nome?" ou "vocês em Portugal não podem estudar muito, senão é uma chatice - eu sou o Professor, Doutor, engenheiro Fulano de Tal" - e imitavam o sotaque português e o ar inchado do portuga. Eu fico sinceramente enfiada com estas coisas. Como explicar aos nossos vizinhos, com um história e cultura tão parecidas com a nossa, que a grande diferença entre os nossos países é o facto de nós sermos provincianos e curtos de vista e eles não?

28
Mai 04
publicado por parislasvegas, às 01:22link do post | comentar

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A propósito da nossa procura de nova casa, fomos dar uma voltinha pelos bairros residenciais. Aqui está tudo misturado - mansões enormes e casas com telhados de zinco, jardins luxuriantes e hortas com feijões, tudo ao molho, na desordem deixada pelas atribuições de terras do antigamente e transacções milionárias entre mafiosos. Mas no meio da desordem, destacava-se uma casa em particular: tinha um MIG no meio do jardim. Palavra d'honra!!! (para quem não sabe, os MIGs são aviões de combate da URSS - nunca viram o TOPGUN? Então, são esses.)Era velhote, mas era um MIG.
Lembrei-me então de uma história que me contou um amigo meu que viveu e trabalhou na ex-Juguslávia durante os anos difíceis do Kosovo. Quando a situação começou a acalmar e o exército Sérvio retirou, deixou para trás uma série de material militar mesmo à mão de semear. Um dos camponeses albaneses de uma aldeia próxima de uma base militar resolveu agarrar no tractor e ir ao hangar buscar um MIG (pode ser que isto ainda dê dinheiro....). O reboque da aeronave foi uma festa, com a aldeia toda a participar (imaginem isto no alentejo: "só mais uma forcinha cumpadri! o magano tá quase lá!) até se conseguir instalar o MIG no quintal. Durante meses e meses o avião foi a atracção da aldeia e arredores (toda a gente precisa de ganhar algum, não é verdade?). Até que o desgraçado do camponês decidiu sentar-se lá dentro pra ver como é que aquilo funcionava. O azar dele foi só ter a carta de tractor e não saber o que queria dizer o botãozinho "EJECT". Enfim, "don't try this at home"....

27
Mai 04
publicado por parislasvegas, às 08:27link do post | comentar
Dia pesadinho este. Consegui ir a uma reunião que ganhou a taça da "maior seca do ano" (título difícil de obter - a concorrência é feroz...), regressar ao escritório a correr porque me esqueci do telemóvel em casa e não sabia do Alex. Lá nos encontrámos, por mero acaso, e fomos inspeccionar a casa que andamos a pensar alugar. Negociámos o preço e as condições (mas ainda não está confirmado), comemos à pressa, eu vim a correr para o escritório outra vez e o Alex foi a correr para o aeroporto. A tarde foi complicada, agora vou a caminho do supermercado para ver o que arranjo para jantar e tentar manter os olhos abertos até me tocar o telefone a confirmar que ele chegou bem. Eu quero uma casa no campo...

publicado por parislasvegas, às 06:18link do post | comentar
Para quem não sabe, babushki quer dizer avós em russo. No singular, babushka. São velhinhas, a sério. Curvadas pelo peso dos anos e rugas profundas causadas pelo frio. Algumas têm ar de terem nascido pouco depois da revolução.
Conheceram um mundo duro - as primeiras grandes fomes dos anos 20, as segundas dos anos 40. Viveram a Segunda-Guerra Mundial na frente. Viram a cidade ser destruída e ocupada pelos nazis, viveram a ocupação na pele. Tiveram os pais deportados em Auschvitz, perderam a família. Sobreviveram, reconstruiram a cidade nos anos 50, trabalharam nas fábricas e nos kolkozes. Contribuiram para a construção de uma União Soviética que só existiu nos cartazes de propaganda. Durante 73 anos viveram num regime que lhes dava casa (por mais miserável que fosse, era um tecto), emprego e lhes racionava a comida.

A velhice chegou com uma nova revolução. Agora aplicam-se as leis do capitalismo mais selvagem - comer ou ser comido. A resistência destas velhotas é impressionante. Perderam o direito às casas, recebem 10 Euros de pensão mensal, o sistema de saúde não funciona e os medicamentos são caríssimos.
Mas em vez de baixar os braços e deixarem-se morrer a um canto, as babushki reagem. Não é agora, ao fim de tantos anos de dificuldades que se deixam ir abaixo. Todas as madrugadas a cidade se enche de idosas. Vendem tudo o que podem: flores, legumes, ovos das suas galinhas, compotas que fazem em casa.
As de idade mais respeitável não falam uma ponta da língua local - só russo. Andaram na escola numa altura em que o ensino da sua própria língua lhes estava vedado. Continuam a apregoar os preços em rublos. Ao mesmo tempo gozam de um respeito imenso por parte do resto da população. Acho que foi uma das únicas coisas que não se perdeu com o advento do capitalismo foi o respeito pelos mais-velhos (regra que nós há muito descartámos). As avós têm autoridade para parar seja quem fôr em plena via pública só para lhe passar um raspanete dos valentes.
Eu já tenho levado vários. Que me lembre, vários por não usar barrete quando neva e um por estar a fumar na rua. Resposta? - obrigado avó, vou ter mais cuidado...

publicado por parislasvegas, às 00:09link do post | comentar
Esta terra tem-me dado um maná de histórias e uma colecção de cromos inesgotável.
Conheci esta semana, através de outros amigos, um casal de Canários (Espanhóis, pronto) que cá veio para adoptar duas crianças. A adopção aqui, supostamente, respeita as regras internacionais, o princípio da melhor protecção das crianças, da idoneidade dos adoptantes e é gratuito. Isto tudo supostamente, claro - num país que tem um quadro legal que mais parece um queijo suíço.
Como a procura de crianças por parte de adoptantes estrangeiros aumentou muito nos últimos 10 anos, e quem cá cai de paraquedas nunca se orienta (a língua é uma dificuldade, mas a burocracia kafkiana é outra)estabeleceram-se aqui uma série de Agências de Adopção todas dirigidas por estrangeiros.
Bom, resumindo, os Canários chegaram ao aeroporto e foram direitinhos ao director da Agência que, por acaso, também é dono de um dos melhores restaurantes da cidade (porque será?).
Estava eu muito concentrada na minha paelha, quando começo a ouvir: "Amanhã vamos ao sorteio dos orfanatos, pode-nos calhar qualquer um, mesmo a mil quilómetros daqui, vão-vos mostrar o catálogo do que têm. Vocês vejam com calma. Ou então, se têm uma preferência é melhor dizer já o que querem".
Manuela, a adoptante, que estava ao meu lado, tremia como varas verdes.
Eu só pensava :"isto é adopção ou compra de imobiliário?".
O estado de nervos daqueles dois desgraçados metia dó. Lá confessaram que o melhor mesmo, para eles, era se conseguissem dois irmãos, com idade até aos quatro anos, não importava muito o sexo, mas talvez um casal..."Amanhã veremos.."
E viram. Chegaram ao orfanato ( a 270 Km, só) e apresentaram-lhes um catálogo com cerca de 300 crianças.
O Miguel (futuro pai) explicou-me como a coisa foi encenada: viravam as páginas rapidamente, não os deixavam sequer analisar os casos. No final da reunião a directora da instituição disse-lhes que tinha "algo novo e especial" um casal de gémeos, 4 anos "praticamente saudáveis".
Os filhos vão custar-lhes cerca de 6000 Euros.
O dinheiro não é dado abertamente ao estilo "corrupção total" - a cultura aqui é mais subtil do que isso. Este montante é para a "despesa" que representa adoptar crianças no prazo de uma semana.
Os espanhóis não tinham ideia no que se vinham meter. Ela dizia-me, com lágrimas nos olhos, que o processo em Espanha estava com as dificuldades que todos conhecemos, porque em Portugal é o mesmo - períodos monstros e burocracias inultrapassáveis.
Casados há 18 anos, sem filhos, a melhor perspectiva foi agarrar no dinheiro e vir cá adoptar. Ao menos sabes que, na prior das hipóteses, passas cá um mês e adoptas. Mas não esperavam o "merchandising" da coisa. Nem esperavam ter que fazer papel de Deus - escolher, entre as histórias desgraçadas daquelas pequenas vidas, quem terá direito a uma família.
A esta hora devem estar a caminho do orfanato outra vez. Hoje vão conhecer as crianças pela primeira vez. Iam carregados de presentes e com os corações encolhidos.
Eu não sei bem o que hei-de pensar. Todo este "sistema comercial" me faz uma confusão terrível, diria mesmo que me revolta as entranhas. Mas quem sou eu para julgar aquela gente? Que tipo de desespero se apodera de alguém para que esteja disposto a pagar fortunas para adoptar crianças, maior parte das quais com doenças crónicas? (não esquecer Chernobyl). Será esta a prova de um extremo egoísmo? Ou será esta apenas uma prova de amor?

26
Mai 04
publicado por parislasvegas, às 06:30link do post | comentar
Image Hosted by ImageShack.usEu queixo-me, queixo-me, mas digam lá se isto não é bonito naqueles (raros) dias em que há sol?

publicado por parislasvegas, às 05:23link do post | comentar
Agora com esta nova incursão no maravilhoso mundo dos blogs, levantam-se algumas questões filosóficas. Ontem à noite o Alex dizia-me que eu ando a assassinar a língua mater quando digo (ou escrevo) "postas". Segundo ele, o inglês "post" não se pode traduzir assim tão selvaticamente (mas fornecer alternativas népias...).
Ao que eu me vi na obrigação de elucidar, e aproveito para o fazer aqui também, que no meu vocabulário "posta" não representa a tradução selvagem de "post", mas sim o nome que eu dou a estas minhas divagações, directamente derivado da expressão bem portuga "cagar postas de pescada". E é só isso. Este blog serve para cargar sentenças de autoria variada e terá sempre e somente "postas", nunca "posts".

publicado por parislasvegas, às 03:12link do post | comentar
Recebi um comentário à posta anterior que vale publicação:
"Apesar de serem consideradas desde a idade média, aves de mau augurio, há outros povos que têm opinião diferente. Os Japoneses por exemplo, consideram-nos mensageiros dos deuses, na Pérsia eram sagrados para o deus da luz e do sol. Na mitologia nórdica, dois corvos, Hugin(pensamento) e Munin(memória) estão ao lado do deus Odin, a divindade suprema. Por gostar de viver sozinho, é também simbolo da solidão voluntária, e o seu canto era para os romanos um símbolo de esperança: crás, crás(amanhã, amanhã)."
Devo confesar que a aversão que tenho aos corvos é puramente instintiva e não tem nada que ver com maus augurios, nem nada que se pareça. No entanto, isso criou-me uma espécie de preconceito em relação à ave e nunca me preocupei em estudar o seu significado nas várias culturas. Aqui o corvo é considerado, como grande maioria dos países europeus, um ladrão de almas. É suposto reencarnarem os mortos que deixaram assuntos por resolver cá em baixo.
Obrigado Nuno, acho que vou passar a olhar para eles de outra forma.

publicado por parislasvegas, às 00:59link do post | comentar
Palavra d’honra que foi o que mais me irritou quando cá cheguei. Imaginem-se caídos num bucaro pós-soviético em pleno inverno. Desolaçao completa, tudo branco e escorregadio (e por mais que se tente, nós, portugas, sabemos nadar, mas não sabemos patinar) árvores nuas, a noite a cair às 3 da tarde, 17 graus negativos. E os corvos, passeando-se na cidade deserta e gelada, como verdadeiros Reis do Inverno - grandes, negros, irritantes.

Todo o santo dia os cabrões dos corvos resolviam fazer-me uma senerata à varanda. Começavam por volta das 7 da manhã e berravam desalmadamente até ao cair da noite.
Tentei enxotá-los, mas sem resultado. Os corvos não têm medo de nada.
Passado uns meses entraram-me nos sonhos. Quase todas as noites, fosse qual fosse o tema do sonho, lá estava um sacana dum corvo. Assim como quem não quer a coisa, misturado com o resto do cenário.

Veio a Primavera e os corvos foram à sua vida de pássaro, despovoando-me a varanda e a cabeça.
Por outras razões, mudei de casa. Mas, este inverno, continuo a olhar com um certo alívio a minha nova varanda vazia de corvos.


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