Histórias de uma portuga em movimento.
27
Fev 14
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Victor Zhuravlev

A Pátria Ucraniana

Óleo sobre tela, 1997

à venda aqui

 

A partição da Ucrânia, assunto que os meus amigos ucranianos acham "um exagero" que se discuta, já me pareceu mais improvável.

Hoje, homens armados ocuparam o Edifício do Parlamento da Crimeia içando bandeiras Russas, ao mesmo tempo que os parlamentares exigem um referendo para definir o estatuto daquela província autónoma relativamente à Ucrânia.

Enquanto isto acontece, a NATO pede à Rússia que não se mexa, enquanto a Rússia põe as tropas em prontidão na fronteira.

Para quem conhece mal os entecedentes desta salganhada, eu recomendaria a leitura deste artigo para que percebam as origens do embróglio geopolítico e que atentem bem no texto do Memorando de Budapeste (1994), texto que, aquando da desnuclearização da Ucrânia, consagra a garantia de manutenção da sua integridade territorial por parte da Rússia, Estados Unidos e Grã-Bretanha.

Para além destes factores que aconselham a uma rápida estabilização da situação (marcação de eleições verdadeiramente democráticas com urgência e a inclusão de todas as partes no processo de diálogo político) e o evitar de qualquer extremismo (acho que aqui já vamos tarde...) há que considerar também a existência de  quatro centrais nucleares no país e uma míriade de minorias étnico-linguísticas que podem complicar ainda mais a situação. Além disso existe outro problema gravíssimo, que quase passou despercebido no meio de tantos outros, que é o default do Estado Ucraniano. Seja de que cor for, o governo, legítimo ou não, pró-russo ou pró-UE terá que pagar ordenados, pensões e serviço da dívida. E não há. Simplesmente não há. O que quer dizer que para além de tudo, a Ucrânia terá que ser intervencionada financeiramente, com todas as consequências que poderão daí advir.

Se esta situação sair fora do controlo, desta vez a guerra não será fria. Na Ucrânia não se farão "guerras por correspondência" entre o bloco ocidental e a Rússia. A guerra será muito quente e muito próxima. E mais uma vez, para não variar da história habitual, quem sofrerá as maiores consequências será o povo ucraniano.

 

 

 

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publicado por parislasvegas, às 10:46link do post | comentar

 

 

Há coisa de 10 anos, este blogue começou, em Kiev, fruto da necessidade que eu senti de traduzir o meu choque cultural por escrito, para organizar ideias. O meu "traumatismo ucraniano" não veio do facto de o país ser estranho, ou mau. Nada disso. Veio do facto de estar pela primeira vez a viver fora do Sul da Europa, numa época que me apanhou em rota de colisão com uma cultura pós-soviética difícil de apreender à primeira. Tivesse eu ido para Madrid e o impacto teria sido reduzido. Acabei por viver três dos anos mais surreais da minha vida, adorando e detestando cada momento, num imbróglio de adaptação, aprendizagem da língua, início de um casamento e um trabalho horrível. Ah, e já me esquecia, pelo meio ainda vivi uma revolução. Por isso, não é estranho que, passados três anos de silêncio (o tempo do meu regresso a Portugal) eu tenha decidido, nesta época de tumultos maydanescos, reanimar este blogue. Talvez provocada por uma certa nostalgia dos tempos ucranianos em que este écran era a minha companhia. Reparem que eu digo que, nessa altura, vivi "dos três anos mais surreais da minha vida", isso digo, em toda a consciência, porque, sem sombra de dúvida, os três anos mais surreais da minha vida têm sido os últimos, passados em Lisboa, menina e moça, minha santa terrinha, onde o choque cultural e a necessidade de adaptação veio a ser maior do que alguma vez esperei. Do renascer deste blogue apenas digo que não sei o que dará. Só sei que será diferente. Eu estou diferente e este espaço traduzirá isso obrigatoriamente. Da Ucrânia não sei bem o que dizer, apenas que conheço os políticos demasiado bem para estar optimista, mas que não deixo de ter alguma esperança porque também conheço aquele povo. Contraditório? Talvez não vindo de uma portuguesa....

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27
Nov 08
publicado por parislasvegas, às 14:13link do post | comentar

 Sandra,

 

 

Mil desculpas pelo atraso na respostas às tuas perguntas. A vida tem sido um pouco mais complicada do que o costume em terras de Afrodite.

 

Se recebeste uma oferta de trabalho para Kiev, calculo que seja a fazer algo parecido com o que fiz lá e, nesse caso, a primeira dificuldade é o trabalho em si. Mas isso é outra história...

 

Quanto a dados práticos posso dizer-te que o valor das rendas é francamente exagerado e não está a dar mostras de descer por enquanto. Há três anos atrás eu pagava 1800 dólares americanos por um apartamento de duas assoalhadas, cerca de 70 metros quadrados, mobilado ao gosto soviético dos anos 80 e com um chuveiro caprichoso.

 

Está claro que o apartamento ficava mesmo no centro da cidade, num dos bairros "finos" com restaurantes e lojas caras, mas os meus vizinhos eram o sindicato dos reformados da Ucrânia e uma senhora da noite que povoava o prédio de clientes turcos. Foi giro.

 

Se falas russo não deves ter dificuldade em fazer-te entender nas coisas simples da vida, como apanhar um táxi e ir ao supermercado. Caso não fales, começa seriamente a pensar em aprender, pelo  menos a ler cirílico para te orientares na rua, porque todos os nomes das ruas e das praças estão em ucraniano (como é natural).

 

Maior parte dos restaurantes já tem menu em inglês e o pessoal que atende também percebe qualquer coisa o que quer dizer que mesmo sem falar russo qualquer estrangeiro pode comer e beber sem problemas.

 

A vida de um expatriado (seja onde for) tem particularidades engraçadas: nos primeiros seis meses nunca sabes muito bem onde estás.

 

Tem paciência para dar tempo até começares a conhecer a cidade e a comunicar com os locais, não te ponhas logo de início com más vontades ou ódios pequeninos (ao facto de não existir manteiga com sal, por exemplo) porque essa atitude vai estragar-te toda a experiência maravilhosa que é conhecer novos sítios e novas culturas.

 

Os Invernos na Ucrânia são tramados: ainda ontem comentava com uns amigos acabados de chegar de Kiev ( e que também se expatriaram, mas para a Ilha onde vivo agora) que enquanto nós gozamos os 25º de máxima, o pessoal em Kiev já sofre com os -6º e uma altura considerável de neve.

 

Compra um casaco quentinho (de preferência compra lá - em Portugal é difícil encontrar algo que resista a 20 graus negativos) e, pelo amor de Deus, compra umas botas especiais para andar na neve. Se há coisa que nenhum portuga sabe fazer é andar no gelo e o historial de ossos partidos é o pão-nosso de cada dia...

 

Eu sobrevivi a cinco Invernos ucranianos, por isso a coisa não pode ser assim tão má. Para mim foi a parte pior, mas eu sempre detestei frio e neve e sou incapaz de conduzir no gelo (e nunca tive nenhum acidente!).

 

Quanto à comida, os legumes e frutas que se dão localmente não são caros, mas os importados são um exagero. Podes adaptar a tua maneira de comer ao que aparece localmente a preços mais módicos. Eu não fiz isso porque na altura existia uma paranóia terrível com Chernobyl e nenhum estrangeiro comia legumes ou fruta fresca colhida localmente. Sinceramente, não sei se a paranóia se justifica ou não, mas porquê arriscar???

 

A água da torneira não é segura, nem sequer para lavar os dentes ou para cozinhar. Quando tomares duche tem atenção e fecha a boca porque a água vem cheia de metais pesados que são prejudiciais à saúde. 

 

O abastecimento de água quente é cortado durante uma semana por ano (no Verão) para purga e limpeza dos canos. De qualquer forma, maior parte das casas tem caldeiras autónomas para não depender do abastecimento municipal. Caso consigas, tenta arranjar um apartamento que tenha alternativas de aquecimento. Digo isto porque os aquecimentos são controlados pelo município e são ligados todos ao mesmo tempo no dia 15 de Outubro e, em cinco Invernos, só houve um deles em que não começou a fazer frio antes dessa data. Se não tiveres alternativa (uma lareira, por exemplo), tens que passar um frio do caraças até ao começo "oficial" da época do aquecimento.

 

Espero que estas dicas te tenham sido úteis. Devo dizer-te também, que fiquei completamente apaixonada pelo país e pelas pessoas, que todos os dias tenho saudades da Ucrânia e que valorizo todos os momentos dos quatros anos que lá passei: tanto os maus, como os bons. Para mim, foi uma grande lição de vida.

 

 


24
Jun 08
publicado por parislasvegas, às 18:55link do post | comentar | ver comentários (2)

 

Ucrânia, Primavera de 2003


26
Abr 07
publicado por parislasvegas, às 13:49link do post | comentar | ver comentários (2)

 

 

Como vem sendo hábito desde que este blogue começou, assinalo hoje o 21º aniversário da catástrofe de Chernobyl . Desta vez venho falar da cidade de Pripiat , uma pequena cidade "científica" que, como Chernobyl alojava, em recinto fechado, os funcionários da Central e suas famílias. Fora da Ucrânia esta cidade é praticamente desconhecida e os seus habitantes entraram na categoria geral de "refugiados de Chernobyl ", no entanto, há pouco tempo nasceu o movimento "salvem Pripiat " que se encarrega de tentar impedir a destruição total da cidade.

 

As autoridades ucranianas querem "limpar" as zonas de exclusão por duas razões: apagar de uma vez as memórias do acidente (como se fosse possível) e impedir que antigos habitantes e novos vagabundos se instalem nos edifícios abandonados. Desde o desmantelamento da URSS que se tem tornado difícil vigiar a zona de exclusão - existem barreiras, mas maior parte das vezes não se encontram guardadas, por falta de dinheiro, falta de meios, falta de voluntários para secarem numa terra de ninguém expostos aos níveis de radiação que ainda singram naquelas paragens.

 

Os sobreviventes do desastre querem preservar a memória dos que pereceram e entendem que isso apenas é possível através da preservação dos sítios.

 

Entretanto, os animais selvagens vão tomando conta das zonas de exclusão e os cientistas ocupam-se a estudar os efeitos da radiação nos animais que têm ocupado o terreno deixado livre pelos humanos. Dos relatos que ouvi de quem esteve no local há cerca de 15 anos nem sequer um mosquito de ouvia no ar. O facto de alguma vida ter regressado já é um motivo para ficar optimista.

 

Mais sobre Pripiat aqui.

 

 


03
Abr 07
publicado por parislasvegas, às 16:39link do post | comentar | ver comentários (3)

 

O Che com a camisa tradicional dos camponeses ucranianos e o tridente kievita na boina.

 

 

Ucrânia outra vez. As confusões habituais. Os jornais vos dirão que a divisão entre pró-ocidentais e pró-russos se aprofunda, que apoiantes das duas facções se reúnem em cada vez maior número na rua. Que as eleições antecipadas marcadas pelo Presidente foram rejeitadas por um Parlamento que já não existe, mas que não pára de fazer leis e de resuscitar instituições do tempo da velha senhora.

Muito do que prevíamos nas conversas escutadas atentamente pelos senhores da carrinha branca está agora a acontecer. Muitas noites do inverno de 2004 (até a noite de Natal) foram passadas diante da lareira a discutir este assuntos em inúmeras línguas.

Seja o que fôr que os jornais nos digam, uma coisa é certa - não existe aqui nenhuma revolução libertadora do povo, nem a mão de ferro de Moscovo a querer oprimir um povo desgraçado. Eu também cheguei a cair nessa, mas há que abrir os olhos. O povo é realmente desgraçado e continuará a ser. Não há lado dos "bons" e tão pouco existe o lado dos "maus". Como em tudo neste mundo, apenas existem interesses antagónicos que se degladiam pelo poder económico e político. O resto são tretas.

 

Aplique-se esta fórmula (chamada "realpolitik" e velha de muitos séculos) a todos os telejornais que se vê, e o resultado é uma imagem muito mais nítida do mundo. Atenção: nem toda a gente gosta de usar óculos.

 

 Ps - ando a torçer-me com vontade de lá estar...decididamente não sou boa da cabeça.


31
Jan 07
publicado por parislasvegas, às 17:28link do post | comentar | ver comentários (2)

Ontem, secando que nem um bacalhau, num salão de honra de um  dos inúmeros palácios desta cidade, deu-me um ataque de nostalgia, uma saudade da Ucrânia, como eu nunca pensei que me pudesse acontecer. Se eu não estivesse neste estado, diria que enlouqueci definitivamente, mas como as hormonas agora são desculpa para tudo (abençoadas..) digamos que o ataque de saudade foi provocado pelo sentimentalismo subjacente à minha condição de futura mãe.

Também não era para menos: de um alto de um grande palanque, coberto com uma tapeçaria do séc. XVIII, miravam-me com ares protocolares de grandes Excelências, uma série de gentes misturadas entre eslavo e persa, trocando impressões entre si na língua do império - o russo.

A primeira dama, uma espécie de Yulia Timoshenko sem as tranças loiras, resplandecia silicones com um vestido lindíssimo, muito embora com excessos de brilhantes para a ocasião. Gaspadin President , ouvia o hino nacional, firme e hirto, numa postura militar tipicamente soviética.

E ainda queriam que eu resistisse ??? Ali, metida naquele Salão, eu própria fazendo o melhor ar de Excelência que se pode arranjar (e a mais não se é obrigado...) só pensava na falta que me faz viver naquele ritmo de dia-a-dia tão surreal, que se chega a duvidar se é real o que se vive, que se chega a temer pela nossa sanidade mental de ocidental aculturado no lixo televisivo americano.

Já vos tinha dito que a Europa me maça????

 

 


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