Névoas, chuvas e granizos é como andamos aqui nas terras gaulesas. Tempo de merda aqui e tempo de merda aí também, com as grandes caloraças e Portugal a arder, como já é infeliz traição nestes meses.
Os incêndios em Portugal impressionam sempre muito os franceses que, à falta de outra coisa para fazerem na Silly Season, nos inundam de cartas com conselhos, manifestações de solidariedade e, até, cartas de protesto contra o funcionamento da Protecção Civil e das condições precárias em que os bombeiros portugueses vivem. E não, não são luso-descendentes que escrevem estas cartas, porque os "nossos" estão todos em Portugal nesta altura, na terrinha, a assistir em directo à calamidade.
Eu sei que as pessoas até nem fazem por maldade, e que é uma forma de demonstrarem que estão atentas ao que se segue no nosso país e, por vezes, até é a única maneira que têm de mostrar que gostam de Portugal. Mas a mim irrita-me.
Nestes anos todos de trabalho, tenho sempre recebido cartas de cidadãos de outros países da UE, não-residentes em Portugal e que cagam sentenças sobre a maneira como deveríamos fazer isto ou aquilo. Houve um ano em que choveram, literalmente, milhares de cartas de ingleses sobre a legislação portuguesa de transporte de animais. Isto porque nos atrasámos alguns meses na implementação da Directiva da UE e os gajos começaram logo a refilar e a escrever para Lisboa aos magotes. Já recebi críticas à forma como os espaços verdes estão organizados nas cidades portuguesas, como não temos bicletas disponíveis para alugar, como nós conduzimos todos que nem uns loucos e a Comissão Europeia nos devia retirar a carta de condução a todos sem excepção.
Ora isto de ser bom aluno na UE também tem os seus limites. Não quer dizer que todo e qualquer cidadão europeu pode cuspir a sua posta de pescada sobre o meu país, apenas porque eles têm a convicção enraízada de que somos uns infelizes trogloditas que precisam de ser iluminados e guiados. Mas enquanto Relações Públicas da República, lá tenho que responder simpaticamente que agradecemos a preocupação, mas que não se inquietem porque sabemos bem tratar de nós.
O que eu gostava era que os portugueses fossem assim também. Isto é, não apenas que escrevessem aos milhares para os nossos governantes a explicar onde andam a meter a pata na poça, mas que escrevessem, também, aos outros europeus todos a apontar toda a caganice de defeitos que encontrassem num país quando lá fossem de visita. Por exemplo, podíamos organizar um grupo de protesto contra a chuva miúdinha de Londres e escrever magotes de cartas à Rainha a esse respeito.
E depois existem os loucos. Totalmente varridos. Que enviam manuscritos para apreciação, como se isto fosse uma editora. Manuscritos das mais variadas naturezas, o último em que passei os olhos era um projecto de comunidade cristã para combater a "ameaça muçulmana".
Trabalhar todos os dias com as dores do mundo não é fácil. Não pensem que não se perde a vontade e a força, ao assistir ao que se passa nos bastidores deste mundo cão, do qual as pessoas normalmente só vêm o que aparece nos telejornais. A verdade nua e crua é muito difícil de digerir, de lidar. Mas também não é fácil ter que lidar com os desarranjos mentais que os acontecimento mundiais provocam na cabeça de algumas pessoas mais sensíveis.
Estou farta desta Silly Season de merda.