Calço os meus sapatos azuis e vou assim segura, exibindo uma diferença no meio da cidade cinzenta e das pessoas todas iguais. Gosto de exibir diferenças, de parecer que não tenho medo de nada disto. Que posso ser melhor do que os outros, mais confiante, sempre com uma resposta pronta a sair da língua, um comportamento estudado para todas as situações.
Fui construindo assim os meus dias. Enfiados e todos iguais, iguais entre si e iguais aos de toda a gente. As cidades vão desfilando com o passar dos anos, os tipos físicos que me rodeiam vão mudando, os sons e as linguagens também. Só eu continuo a mesma todos os dias - as mudanças de cenário não nos salvam de nós próprios.
Mas calço os sapatos azuis para mostrar que não tenho medo da neve, da solidão acompanhada e da loucura que se instala lentamente no meu cérebro. O azul dos meus sapatos aconchega-me no quente daquilo que eu sou, que sei que sou, longe, muito longe, da imagem que projecto no espelho.