Histórias de uma portuga em movimento.
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Set 06
publicado por parislasvegas, às 17:02link do post | comentar

Fim de semana em Lisboa, finalmente, após 4 meses de ausência. Embora o tempo não tenha dado para fazer nada de jeito, há várias impressões que me ficaram gravadas no espírito.

Talvez a diferença não esteja em Lisboa, talvez a diferença esteja no meu ponto de partida que, mudando, me mudou também a percepção do meu país e do ambiente que se vive na Capital. Vinda da ex-URSS, Portugal era um país organizado, moderno, limpo, desenvolvido mas com aquela modorra latina, quase africana da lentidão dos dias e da calma das gentes.

Vinda de França, Lisboa pareceu-me suja, triste e deprimida. Será apenas impressão minha??

A sujidade da cidade impressionou-me bastante. Para cúmulo, fui sair com uns amigos que vivem em Pequim. Ora não sendo Pequim a cidade mais desenvolvida e mais bonita do mundo( longe disso) a minha amiga chinesa estava verdadeiramente chocada com o ar vagabundo de uma Lisboa que conhece quase há 20 anos.

Não são apenas as ruas, desertas ao fim de semana para não variar, que se encontram sujas, desarrumadas com pedras da calçada soltas e buracos descomunais na estrada. São os prédios, encardidos, com pinturas tristes e descarnadas que mais me impressionaram. A Lisboa que eu deixei, há quase seis anos, estava a entrar num boom de reconversão e bom-gosto. Apostava mesmo em deixar regressar os jovens aos seu seio, para que se tornasse uma cidade habitada e não um fantasma com apenas repartições e escritórios. Não sei para onde foram essas intenções, provavelmente para o inferno, onde estão todas as boas, mas deprimiu-me. Deprimiu-me o deserto humano, o ar abandonado da cidade que eu mais gosto no mundo. Nem a luz de Lisboa, gloriosa, azul, única, lhe vale neste momento em que, puta envelhecida, não consegue mais atraír amantes.

O facto de não ter contactado com os amigos e família do costume, fez com que andasse, meio desamparada, exposta às relações com estranhos - os portugueses. Quer dizer, os lisboetas, ou o pouco que resta deles. Continuam gente simpática, aberta e conversadora, mas noto um nervosismo e um descontentamento que não pode ser justifcado apenas pela enorme crise económica que se vive. A crise, a outra, é, chamemos-lhe assim, moral. Isso mesmo. Moral no sentido dos códigos de vida instalados, das práticas sociais e privadas, no sentido da conduta, da forma como dirigimos o nosso comportamento todos os dias.

As pessoas andam brutas, de insulto fácil, ordinárias e sem respeito por terceiros, porque ninguém tem respeito por si próprio. Desanimados e sem dinheiro, já nem o passeio de Domingo no Colombo lhes vale, nem a praia na Caparica. Já nem o clima compensa o estado de letargia sócio-económica-mental.

Temo começar sentir falta de uma Lisboa que, se calhar, nem nunca existiu. Aquela que trago dentro da cabeça, a cidade luminosa que eu via com gosto a partir do Tejo, das idas ao cinema aos Domingos, dos passeios de eléctrico a caminho da Junqueira. A minha Lisboa da adolescência, das escapadelas nocturnas ao Bairro Alto, do Elevador de Santa Justa, da baixa apinhada de gente a fazer compras em lojecas curiosas como as retrosarias, drogarias e outras coisas que já não existem. De pessoas que diziam "se faz favor", "concerteza" e "muito obrigado", de velhotes que me tratavam por "minha menina".

Deslocada e estrangeirada, habituei-me a choques constantes com países terceiros. Não consigo é habituar-me ao choque cultural com a minha própria casa.

Estes post podem parecer "snobs" e mal dizentes. Não é essa a intenção. Estes posts são apenas a forma de exprimir a mágoa de ver a minha gente a afundar, sem que possa fazer grande coisa para contrariar essa tendência.

Por um lado, assusta-me a ideia de que vou ter que voltar a casa, um dia. Quero criar filhos em Portugal, quero que tenham raízes e referências. Mas, por outro lado, quando esse dia chegar, tenho a certeza que vai ser um desafio enorme para mim reaprender a viver num país que (quase) deixei de reconhecer. E eu adoro desafios.

 

 


lisboa continua a mesma. acho. o que mudou é que tu agora vives de há uns meses para cá numa das cidades mais perfeitinhas do mundo.
blimunda a 12 de Setembro de 2006 às 12:41

Eu acho que ambas têm razão.
Lisboa mudou e está cada vez menos bonita.
As pessoas vivem fora do centro da cidade que se assume como um fantasma.
Tu CM tens a noção de prespectiva e consegues vilumbrar realidades que nos passam ao lado de tão proximas que estão.
A Blimunda tambem tem razão, vivendo em Paris, como não achar Lisboa suja e decadente???
Objectivamete falando, Lisboa estará mais suja e menos brilhante do que ha 7 ou 8 anos atrás mas continua cheia de charme... Vai falar russo e chines para o Martim moniz. Vai ver as velhas ao domingo de manha a sairem da igreja na praça de Londres. Vai à Ribeira comprar flores. Vai à feira da ladra procurar livros em segunda mão...
Quais paris quais marche au puce... tout le charme ces't chez nous.
Riki Marim a 13 de Setembro de 2006 às 00:12

Pois é Riki, se calhar tens razão. Eu é que preciso de aprender novas rotinas quando estou em Lisboa. A verdade é que quem vive fora, procura sempre retomar as idas aos sítios do costume, sem pensar que a cidade (apesar de tudo) é viva, e quando muda nem sempre é para pior.
parislasvegas a 13 de Setembro de 2006 às 17:14

Desculpa, amiga, mas continuo a achar que com o eixo Paris-Cascais-Barreiro que costumas frequentar como é que não hás-de achar que Lisboa está feia e triste? Tens andado por três das zonas mais civilizadas da Terra... em comparação Lisboa perde... Eh! Eh! Eh!

Agora a sério, acho que Lx evoluiu no mesmo sentido do país de que é capital... Mas continuo a achar que precisamos de nos animar e olhar para a frente com esperança, acreditar que as coisas ainda podem melhorar... (começando por mim...)
D. a 13 de Setembro de 2006 às 22:36

Estou a caminho do quarto ano de paris. Noto bem a diferença se a comparo a Lisboa, talvez mesmo no que dizes acerca da limpeza, mas o charme esta todo em Lisboa. Paris é uma cidade de fachada, sem qualquer atractivo que não roce o cliché . Compreendo essa insatisfação quando visitas Lisboa, mas atenção , Lisboa é uma cidade bem viva que não pode ser classificada com uma ida ao Bairro Alto ( Que de Bairro Alto já tem pouco!). A minha vida, por motivos profissionais, é uma constante de choques com culturas bem diversas, o que em boa verdade levanta um pouco o nosso nível de exigência e causa que se sinta sempre falta de algo em qualquer lugar que se vá .
ParisEuropaLisboa a 15 de Setembro de 2006 às 15:38

Pois é ParisEuropaLisboa, tens toda a razão - e não penses que eu limito as minhas visitas a "casa" ao Bairro Alto. Claro que vamos ficando cada vez mais exigentes com os sítios por onde vamos passando e continuamos sempre a exigir mais dos que mais amamos: os "nossos". Também concordo quando dizes que Paris é uma cidade de "fachada", apesar de não ter tanto tempo disto como tu..podes ver por algumas postas daqui o quanto me incomoda a superficialidade das vidas que aqui se levam, principalmente porque vim dum sítio onde as pessoas lutam todos os dias para ter comida na mesa.
Espero, que quando terminarem os meus anos de exílio voluntário, eu consiga ver essa "vida" de que falas em Lisboa.
parislasvegas a 18 de Setembro de 2006 às 11:41

Estou contigo a 100%!!! é perfeitamente legitimo exigir sempre mais e melhor, especialmente a algo que nos é mais próximo . Quanto a paris, é certo que tem os seus encantos. O problema é que estes se desvanecem muito rapidamente quando deixamos de "viver como turistas", e é então que paris começa a exercer a tortura mental que gerou tantos artistas e é responsável por esse fenómeno que da pelo nome de parisiense.
Adoro conhecer o mundo, mas em lugar nenhum tenho a mesma paz de alma que tenho donde vim.
O meu exílio voluntario, espero eu, vai terminar dentro de um ano ou dois. Se eu voltar...também espero encontrar essa "vida" de que eu falo. Até lá é aproveitar o que de melhor paris tem para oferecer! Até um destes dias...(pelas ruas de paris ou de Lisboa!)
ParisEuropaLisboa a 20 de Setembro de 2006 às 14:31

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