Desculpem lá "pôr tudo no mesmo saco", mas quando estamos fora, apercebemo-nos com mais nitidez das semelhanças e diferenças psico-sociológicas com outros povos. Para mim, tem sido bem óbvio que os espanhóis são com quem temos mais comum. Até um Castelhano é mais parecido connosco (mesmo com manias monárquicas e tiques iberistas) do que um Islandês ou um Sueco. E têm a vantagem de perceberem quando os mandamos à merda. Ou desvantagem, ainda não me decidi sobre este ponto.
De maneira que quando hoje me apercebi do ar abatido do meu colega espanhol, e dado o facto de ele vir fresquinho do nosso canto da Europa (está cá há menos de seis meses), resolvi demonstrar alguma solidariedade latina e lá fui inquirir das razões de tanta tristeza junta.
Lá veio o relambório habitual, debitado na presença da Austríaca, que fazia caretas mostrando claramente que ela não estava a processar grande parte da conversa. As queixas "standard" Ibéricas àcerca deste país são:
1- é frio pra caralhos;
2- as pessoas são esquizofrénicas - muito simpáticas na metade quente do ano, e umas bestas na metade fria;
3- a língua é de loucos. Não se consegue entender a lógica desta gramática, tão depressa pensam ao nível de crianças de 5 anos, como têm declinações tão complicadas que tornam impossível a tarefa de falar Russo a um latino.
4- o nosso trabalho é uma merda, problemas todos os dias, lidar com ameaças, insultos, burocracia kafkiana e o diabo-a-sete.
Claro que a Austríaca não estava a perceber metade, porque o país dela é igualmente frio, está habituada às mudanças de humor da população em geral, aquando da mudança de Estações, e a língua mãe dela é o Alemão que tem apenas menos uma declinação do que o Russo, por isso está aqui na maior. A única diferença é que não existem as mesmas lojas e a mesma qualidade de vida que se tem em Vienna. So What???
Reparando na cara de espanto da colega, ao ouvir o Espanhol, puxei o Jorge a um canto e comecei a dar-lhe algumas soluções para os problemas que ele me tinha referido:
1-Andar vestido como os "nativos".Em Roma sê Romano. Esquece os teus sapatinhos italianos, que não se aguentam 10 minutos neste nevão. O que é que andas a fazer de sobretudo????Vai já comprar uma daquelas samarras da Sibéria!!!
Orelhas ao léu???Tás parvo???Queres que te caiam? E enfim, para os homens, CEROULAS. Não estou a gozar, meus filhos, CEROULAS é a palavra certa.
Anatomicamente, uma das diferenças que temos é o facto de vocês possuírem bolsas exteriores, certo? Essas bolsas contém líquido, certo??? os líquidos congelam, certo???Pronto. Então. Ou vai de ceroula, ou de hospital. E já ouvi dizer que são as piores dores do mundo, que põem as dores de parto ao nível de uma ligeira dorzinha de cabeça....
2-Ao fim do segundo Inverno, deixas de notar. Ficas tão esquizofrénico como o resto, é apenas uma questão de tempo.
3- Nem tentes. Ao fim de dois, três anos sai-te tudo naturalmente. NUNCA tentes é perceber a gramática. De outra forma, nem ao fim de 10 anos vais falar Russo correctamente. O melhor é abrir os ouvidos na rua e falar sempre, mesmo quando SABES que estás a dizer um chorrilho de asneiras.
4- Nesse ponto não há nada a fazer. Junta-te aos outros otários que aceitaram vir fazer o mesmo trabalho e queixa-te uma vez por mês. Por isso mesmo é que se criaram reuniões periódicas de colegas. Quais cooperação internacional qual quê. O que a malta quer mesmo é QUEIXAR-SE.
Claro que o Espanhol fica a olhar pra mim com um ar entre o rebentar de riso e o choro iminente. Diz-me: "ok, vou tentar fazer isso tudo, mas achas que me vou conseguir habituar a isto????".
"Nem penses!Adaptar sim, claro que te vais adaptar perfeitamente. Agora habituar???Tira daí as ideias, nenhum Ibérico se habitua a viver sem luz, lamento ser eu a dar-te a notícia".
Remata o Jorge: "Exactamente o que o meu antecessor me disse, as mesmas palavras ao milímetro".
Pois é Martín, eu ainda me lembro dessa conversa que tivémos, há exactamente um ano. O povo na rua, revolução em curso, neve por todo o lado e nós em casa, de lareira acessa a comer Fois Gras e a beber Madeira, a filosofar sobre os Ibéricos e a sua "fome de luz". Coincidências....