José Saramago não era menos português por não pôr a bandeira à janela na véspera de um evento desportivo. Acima de tudo, a sua essência era ibérica. Convém dizer que só saiu de Portugal devido à ostracização de Sousa Lara, comprovada agora com o episódio político revisionista da não presença de Cavaco Silva no seu funeral. "Viagem a Portugal" é reflexo de amor e do encantamento que sentia pelo país, pela sua beleza e cultura, pela classe trabalhadora, espelhada na sua identidade, mesmo que isso significasse ir contra a ideologia do seu partido, contra a maioria religiosa, contra o politicamente correcto. Para o seu espírito inconformado, a morte é pouco relevante. Como diria Saramago, "o fim duma viagem é apenas o começo de outra".

Não poderia ter dito melhor. E a ver vamos o que nos reserva o baú de escritos que nos deixou. Um homem como estes não morre nunca.

Saramago tinha um Universo pessoal muito organizado e, ao contrário do que é habitual hoje em dia, um sistema de valores muito definido. Era uma pessoa recta e dizia o que pensava sem medos. Para além do valor literário, devemos nunca esquecer o seu valor como pensador e humanista. Aconselho a leitura dos textos sobre a luta dos sem-terra no Brasil, ou sobre o problema palestiniano.

Que lixem as homenagens oficiais, que as que Saramago merece são as espontâneas.