Histórias de uma portuga em movimento.
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Mai 04
publicado por parislasvegas, às 08:27link do post | comentar
Dia pesadinho este. Consegui ir a uma reunião que ganhou a taça da "maior seca do ano" (título difícil de obter - a concorrência é feroz...), regressar ao escritório a correr porque me esqueci do telemóvel em casa e não sabia do Alex. Lá nos encontrámos, por mero acaso, e fomos inspeccionar a casa que andamos a pensar alugar. Negociámos o preço e as condições (mas ainda não está confirmado), comemos à pressa, eu vim a correr para o escritório outra vez e o Alex foi a correr para o aeroporto. A tarde foi complicada, agora vou a caminho do supermercado para ver o que arranjo para jantar e tentar manter os olhos abertos até me tocar o telefone a confirmar que ele chegou bem. Eu quero uma casa no campo...

publicado por parislasvegas, às 06:18link do post | comentar
Para quem não sabe, babushki quer dizer avós em russo. No singular, babushka. São velhinhas, a sério. Curvadas pelo peso dos anos e rugas profundas causadas pelo frio. Algumas têm ar de terem nascido pouco depois da revolução.
Conheceram um mundo duro - as primeiras grandes fomes dos anos 20, as segundas dos anos 40. Viveram a Segunda-Guerra Mundial na frente. Viram a cidade ser destruída e ocupada pelos nazis, viveram a ocupação na pele. Tiveram os pais deportados em Auschvitz, perderam a família. Sobreviveram, reconstruiram a cidade nos anos 50, trabalharam nas fábricas e nos kolkozes. Contribuiram para a construção de uma União Soviética que só existiu nos cartazes de propaganda. Durante 73 anos viveram num regime que lhes dava casa (por mais miserável que fosse, era um tecto), emprego e lhes racionava a comida.

A velhice chegou com uma nova revolução. Agora aplicam-se as leis do capitalismo mais selvagem - comer ou ser comido. A resistência destas velhotas é impressionante. Perderam o direito às casas, recebem 10 Euros de pensão mensal, o sistema de saúde não funciona e os medicamentos são caríssimos.
Mas em vez de baixar os braços e deixarem-se morrer a um canto, as babushki reagem. Não é agora, ao fim de tantos anos de dificuldades que se deixam ir abaixo. Todas as madrugadas a cidade se enche de idosas. Vendem tudo o que podem: flores, legumes, ovos das suas galinhas, compotas que fazem em casa.
As de idade mais respeitável não falam uma ponta da língua local - só russo. Andaram na escola numa altura em que o ensino da sua própria língua lhes estava vedado. Continuam a apregoar os preços em rublos. Ao mesmo tempo gozam de um respeito imenso por parte do resto da população. Acho que foi uma das únicas coisas que não se perdeu com o advento do capitalismo foi o respeito pelos mais-velhos (regra que nós há muito descartámos). As avós têm autoridade para parar seja quem fôr em plena via pública só para lhe passar um raspanete dos valentes.
Eu já tenho levado vários. Que me lembre, vários por não usar barrete quando neva e um por estar a fumar na rua. Resposta? - obrigado avó, vou ter mais cuidado...

publicado por parislasvegas, às 00:09link do post | comentar
Esta terra tem-me dado um maná de histórias e uma colecção de cromos inesgotável.
Conheci esta semana, através de outros amigos, um casal de Canários (Espanhóis, pronto) que cá veio para adoptar duas crianças. A adopção aqui, supostamente, respeita as regras internacionais, o princípio da melhor protecção das crianças, da idoneidade dos adoptantes e é gratuito. Isto tudo supostamente, claro - num país que tem um quadro legal que mais parece um queijo suíço.
Como a procura de crianças por parte de adoptantes estrangeiros aumentou muito nos últimos 10 anos, e quem cá cai de paraquedas nunca se orienta (a língua é uma dificuldade, mas a burocracia kafkiana é outra)estabeleceram-se aqui uma série de Agências de Adopção todas dirigidas por estrangeiros.
Bom, resumindo, os Canários chegaram ao aeroporto e foram direitinhos ao director da Agência que, por acaso, também é dono de um dos melhores restaurantes da cidade (porque será?).
Estava eu muito concentrada na minha paelha, quando começo a ouvir: "Amanhã vamos ao sorteio dos orfanatos, pode-nos calhar qualquer um, mesmo a mil quilómetros daqui, vão-vos mostrar o catálogo do que têm. Vocês vejam com calma. Ou então, se têm uma preferência é melhor dizer já o que querem".
Manuela, a adoptante, que estava ao meu lado, tremia como varas verdes.
Eu só pensava :"isto é adopção ou compra de imobiliário?".
O estado de nervos daqueles dois desgraçados metia dó. Lá confessaram que o melhor mesmo, para eles, era se conseguissem dois irmãos, com idade até aos quatro anos, não importava muito o sexo, mas talvez um casal..."Amanhã veremos.."
E viram. Chegaram ao orfanato ( a 270 Km, só) e apresentaram-lhes um catálogo com cerca de 300 crianças.
O Miguel (futuro pai) explicou-me como a coisa foi encenada: viravam as páginas rapidamente, não os deixavam sequer analisar os casos. No final da reunião a directora da instituição disse-lhes que tinha "algo novo e especial" um casal de gémeos, 4 anos "praticamente saudáveis".
Os filhos vão custar-lhes cerca de 6000 Euros.
O dinheiro não é dado abertamente ao estilo "corrupção total" - a cultura aqui é mais subtil do que isso. Este montante é para a "despesa" que representa adoptar crianças no prazo de uma semana.
Os espanhóis não tinham ideia no que se vinham meter. Ela dizia-me, com lágrimas nos olhos, que o processo em Espanha estava com as dificuldades que todos conhecemos, porque em Portugal é o mesmo - períodos monstros e burocracias inultrapassáveis.
Casados há 18 anos, sem filhos, a melhor perspectiva foi agarrar no dinheiro e vir cá adoptar. Ao menos sabes que, na prior das hipóteses, passas cá um mês e adoptas. Mas não esperavam o "merchandising" da coisa. Nem esperavam ter que fazer papel de Deus - escolher, entre as histórias desgraçadas daquelas pequenas vidas, quem terá direito a uma família.
A esta hora devem estar a caminho do orfanato outra vez. Hoje vão conhecer as crianças pela primeira vez. Iam carregados de presentes e com os corações encolhidos.
Eu não sei bem o que hei-de pensar. Todo este "sistema comercial" me faz uma confusão terrível, diria mesmo que me revolta as entranhas. Mas quem sou eu para julgar aquela gente? Que tipo de desespero se apodera de alguém para que esteja disposto a pagar fortunas para adoptar crianças, maior parte das quais com doenças crónicas? (não esquecer Chernobyl). Será esta a prova de um extremo egoísmo? Ou será esta apenas uma prova de amor?

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