Histórias de uma portuga em movimento.
30
Set 04
publicado por parislasvegas, às 06:36link do post | comentar | ver comentários (1)
Estou de férias em casa, já desde Segunda-feira, e hoje é o primeiro dia que não ponho os butes no escritório. Ando a começar a ficar irritada com a mania dos portugueses (não, hoje não é para me queixar dos eslavos...) que se não se vai a Portugal de férias ou se não se sai daqui é porque não se tem nada que fazer. E vai daí desatam a telefonar todos os dias, porque ou é do cu ou das calças, há sempre um problema qualquer para resolver. Do estilo "coitadinha, deve aborrecer-se que nem um peru em casa - bora lá dar-lhe qualquer coisa para se entreter".
O problema é que eu, por acaso, até tenho vida para além do escritório (YES!). Tenho amigos com quem quero estar, coisas para arranjar em casa, interesses para me ocupar, etc.
Para esta semana tinha planeado decorar o quarto de hóspedes, pôr a leitura em dia, arrumar a dispensa na garagem e, caso não chovesse, tentar domar o jardim. Já é Quinta-feira e ainda não fiz absolutamente nada. Mas em compensação deixei o sistema informático do escritório limpinho e pronto a ser definitivamente mudado.
A conclusão disto tudo é mais do que óbvia: sou uma otária de primeira apanha. Já que ninguém me compensa por isto deviam, pelo menos, oferecer-me formação profissional para eu aprender a comportar-me como uma funcionária pública digna desse nome. Até posso dar sugestões ao Senhor Director-Geral da Administração:
"Curso de Formação Profissional para Agentes do Estado"
Módulo I
Horários Contínuos - Como não fazer nenhum das 9.00 da manhã às 3.00 da tarde;
Insenção de Horário - Bases legais para entrar ao Serviço às 11 da manhã;
Módulo II
Regime de Apoio à Família - Pode uma criança ter Sarampo mais do que uma vez por ano? Possibilidades e argumentos;
Regime de Dias de Nojo - Quantas vezes por mês se pode alegar o falecimento de um ascendente;
Módulo III
Regime de Férias e faltas - Como esticar os seus 22 dias úteis, sem perder o salário;
Baixas por Doença - Os prós e contras de não trabalhar seis meses por ano;
A verdade é que os funcionários que possuem este tipo de conhecimentos, ganhos ao longo de árduos anos de labor tentando trocar as voltas ao chefe e utilizando a legislação em seu favor, têm uma relutância extrema em partilhar com o resto de nós - os otários - essa ciência exacta, de conseguir trabalhar um número mínimo de dias por ano, com o salário por inteiro. Logo, torna-se permente que o nosso Governo invista na partilha desse Kown-How para que não se criem desigualdades, que são contrárias à Constituição da República.


29
Set 04
publicado por parislasvegas, às 07:58link do post | comentar
O Outono instalou-se em força nesta terra, gelada por natureza. Este ano estamos com um Outuno dourado, com a luz do sol refectindo os tons de castanho instalado nas ávores. Até viver aqui, nunca tinha ligado às estações do ano. Talvez porque em Portugal o clima se faz de extremos (não sei donde raio tirámos a ilusão do "clima ameno"), não havendo lugar à passagem tranquila das estações com as suas diferentes colorações e cheiros.
Cá toda a gente comenta o tempo - é uma obssessão. Esteja frio ou calor, toda a gente se queixa. A frase que mais se ouviu na rua este ano foi "Ah! Kakaia Pagoda!" com entoação de enjôo: quer dizer "que raio de clima!". Como não tivemos Verão, o calor inicial do Outuno despertou as árvores de fruto e a cidade anda num espectáculo fora de temporada: toda florida! Ao pé de minha casa os castanheiros não se conseguem decidir se se livram das castanhas que já formaram ou se rebentam em novas flores. Nunca tinha visto árvores com metade fruta/metade flor - deve ser mais um dos fenómenos de Chernobyl...
Por falar em Chernobyl, lembrei-me, de repente, que nunca escrevi sobre isso aqui. Provavelmente porque me tento abstrair do facto de viver a 80 Km de um sarcófago nuclear em muito mau estado. Como toda a gente sabe, Chernobyl foi palco de um dos maiores acidentes nucleares da história, em 1986. 18 anos nada são em termos geológicos, obviamente não é em 18 anos que a radiação passa ou que baixa de nível.
Esta situação tem subjacente uma ironia incrível que, se eu cá não vivesse, até era capaz de que suscitar um sorriso.
Em 1986, o acidente deu-se no final de Abril e foi cautelosamente escondido da população. Ao que parece, se não tivessem sido detectados níveis perigosos de radiação na Alemanha (!) o Governo Soviético nunca teria divulgado o acidente e o número de vítimas mortais poderia ter sido maior. Mas os Kievitas, continuaram na sua vida, sem nada saber, e saíram para as habituais paradas do primeiro de Maio. Só depois disso é que a população foi obrigada a recolher (com avisos para não abrir as janelas - UMA SEMANA DEPOIS, muito obrigado...).
As histórias que se seguem são mirabolantes. Com poucos ou nenhuns recursos, as Autoridades desembaraçaram-se como puderam. Davam duas colheres de vodka por dias às crianças e diziam aos pais que isso as protegia das radiações, e outras tontices do género.
O número de doenças genéticas, neste momento, é elevadíssimo. Sem falar na incidência de leucemia e outros tipos de cancro.
O Soviet ucraniano culpou o Governo cental de Moscovo e, aquando da independência da Ucrânia, 6 anos depois do desastre, Chernobyl foi uma das primeiras razões invocadas para a separação. Os ucranianos nunca perdoarão ao russos o facto de terem sido tratados como cobaias numa experiência perigosa. Ninguém sabe quantas gerações irão ser afectadas pelo desastre.
E, perguntam vocês, onde está a ironia?
Bom, após a independência, o Governo resolveu tomar medidas para minorar as dificuldades causadas por Chernobyl. Uma delas é o facto de todas as regiões consideradas "afectadas" pelo desastre estarem ou isentas de imposto ou terem condições fiscais especiais. Para além de cuidados especiais de saúde, mas como esses não passaram do papel, não vale a pena mencioná-los aqui. Kiev fica a 80 Km da estação nuclear, foi, e continua a ser, gravemente afectada pela radiação. Mas pode uma capital viver nestas condições? nomeadamente, podem os negócios instalados numa capital não pagar impostos? - Claro que não!
Resultado: A cidade é oficialmente considerada como "livre de radiação" e não se fazem sequer medições periódicas, porque não é preciso, não é verdade?
Esta é a grande ironia. Que os mesmo que não perdoam aos russos terem posto em perigo a saúde do seu povo, estejam agora a fazer exactamente o mesmo.
Mas como nós dizemos em português "quem se lixa, é sempre o mexilhão"...
O reactor danificado foi envolto num sacófago. Esta a única maneira por nós conhecida de impedir que mais radiação se liberte com o decorrer do tempo. O problema é que o sarcófago tem desenvolvido várias brechas. As rachas no dito cujo têm feito correr muita tinta. Basicamente o que o Governo quer é que a Comunidade Internacional pague um novo. Claro que é preciso um novo desastre nuclear para que alguém faça alguma coisa. Até lá, vou-me limitando aos legumes congelados, afastando-me dos cogumelos nativos e bebendo o meu cházinho anti-radiação (que cá para mim faz tanto efeito como as colheres de vodka!), e seja o que Deus quiser!

21
Set 04
publicado por parislasvegas, às 08:51link do post | comentar
Acabei de ler o "Equador" do Miguel Sousa Tavares. Não percebo as críticas desfavoráveis que li. Parece que em Portugal só podem vender livros as tias descerebradas ou o Saramago. Este livro, sem pretensões de intelectualóide e, sem pretensões de romance cor-de-rosa deve cair mal na cambada de intelectuais de pseudo-esquerda que se passeiam pelos nossos bares do bairro-alto e sobrevivem à conta de umas crónicas de merda, cujo português, por vezes, deixa muito a desejar.
Não percebo porque é que um livro tem que ser mau só porque já vendeu 160 mil exemplares. Se assim é, também não percebo porque é que o Saramago é tão bom se as primeiras edições esgotam quase imediatamente. A diferença é que malta deve ter comprado o Sousa Tavares para ler, enquanto o Saramago é só para decorar a estante.
Na minha opinião o livro é bom. Fora do que se faz em Portugal, muito anglo-saxónico e muito recomendável como leitura de férias. Um romance levezinho, portanto, mas sem a incrível estupidez de um "Sei lá" ou obras do género, que eu nem usaria para limpar o rabo, quanto mais para ler.
Para mais, a história do Senhor Governador de São Tomé e Princípe agradou-me sobremaneira. Mais um caso trágico-cómico de um Alto Funcionário da Nação que, tentando desempenhar as suas funções correctamente e vendo que a Pátria se estava bem a cagar d'alto para ele, em particular, e para S.Tomé em geral, resolve o caso "à la Camilo" com um tiro de revólver bem assente na cornadura. Fantástico!
O mais engraçado é que a história se passa em 1903 e, eu pessoalmente, não vejo grandes mudanças nem na mentalidade portuga descrita, muito menos administração "do Reino". Mas para isso basta ler o Eça!
Daqui se pode concluir que o nosso país é um dos únicos coerentes no mundo: insiste em fazer merda, mesmo quando tem vários séculos de experiência demonstrando os maus resultados! E viva Portugal!

20
Set 04
publicado por parislasvegas, às 07:43link do post | comentar
Cá estou eu, sentada no escritório cá de casa, apreciando o caos que reina no meu jardim. A relva deve estar com os seus 12 centímetros de altura, as trepadeiras descontrolaram-se e agora expandem-se por cada nesga de território, paredes e cercas do jardim. Estou calma, como há muito tempo não estava. Caguei em tudo o que preciso fazer, mas não tenho tempo. Estou a viver os dias um de cada vez, como é raro em mim. E, ainda por cima, estou a gostar.
Nesta nostalgia meio contemplativa, olho o jardim e penso que não vale a pena interferir com a explosão de verde que já passou a fase da domesticação- de qualquer forma, o inverno não vem longe, e tudo o que hoje vive no jardim, em breve estará retorcido, queimado da geada matinal de outuno, congelado pelas primeiras neves.
Porquê pôr mão humana naquele verde? vou deixá-lo gozar os últimos dias de frescura e as breves aparições do sol.
E, já agora, vou dedicar-me a fazer o mesmo: gozar os últimos dias de bom tempo e disposição agradável, antes que chegue o prolongado e sacrificador gelo do Norte.

14
Set 04
publicado por parislasvegas, às 00:24link do post | comentar
Até que enfim. Ok, respirar fundo....
Pronto. Agora parei um bocadinho e finalmente posso desabafar.
Tenho andado que nem consigo tirar cinco minutos para um xixi. Há dias em que chego a casa às nove da noite aflitinha porque andei 12 horas a bulir que nem uma maluca e nem tempo para a retrete!
O novo projecto em que estou agora a trabalhar tira-me do sério. Já não me deveria espantar. Afinal há 10 anos que o meu patrão é o mesmo, e de todos os projectos, iniciativa da nossa pátria, em que tenho trabalhado, não houve um, até hoje que tivesse sido iniciado com o devido planeamento e os devidos recursos.
Isto, meus caros, não se trata apenas de poupança pública. Penso que se trata de puro sadismo, misturado com incompetência crónica.
Talvez a nossa pseudo-elite seja da opinião que "para quem é bacalhau basta" e que os portugueses não merecem mais esforço e mais dedicação. Acaba por ser criado um círculo vicioso, em que a relação Estado-cidadão e vice-versa se deteriora cada vez mais.
Isto para não falar nas coisas em que se gastam recursos e tempo para nada. Há cerca de 5 anos, incubiram-me uma tarefa que me agradou bastante: compilar um livro comemorativo de um certo tema, que me era extremamente querido. Formou-se uma equipa de cerca de 12 pessoas, entre portugas e estranjas e lá arregaçamos as mangas. Para mim significou um esforço adicional, porque não me libertaram das minhas funções habituais. Passei seis meses a trabalhar o dobro no escritório e em casa. Conseguimos, invulgarmente para Portugal, ter a publicação pronta no prazo que nos foi dado. E aquilo até tinha a sua pinta e o seu interesse. Resultado? O Governo decidiu adiar sine-die a publicação que tinha considerado "permente e orbigatória" apenas seis meses antes, e para a qual tinha despendido recursos e dinheiro. Por aqui se entende porque é que os funcionários públicos não fazem nenhum. O ordenado no final é sempre o mesmo. A forma como se é tratado ou como se é promovido depende de tudo menos da competência.
Como já deu para perceber ando com uma valente crise de vocação...
Tirando as crises de vocação e o trabalho excessivo, cá andamos, com algumas experiências doidas à mistura. Na semana passada fui dar uma voltinha pelas "terras de ninguém" que ainda existem por aqui. Bessarábia e transnístria se é que os nomes vos dizem algo. Terras sem fim, rasgadas pelos canais do Danúbio, com casas solitárias semeadas na paisagem.
Sítios onde as mulheres ainda andam cobertas até aos pés e com lenços na cabeça, de acordo com os velhos costumes da ortodoxia russa. Onde o abandono e a pobreza se sentem até aos ossos.
Foi a primeira vez que vi searas ondulando ao vento. Mares amarelos, revoltos, dançando ao som de uma sinfonía inaudível. Rebanhos de gansos, pastando como ovelhas. Os guardadores na hora da sesta enrolados em mantas enquanto os animais deambulam livremente nos campos.
E corvos. Outra vez. Corvos em campos de trigo. Como no quadro de Van Gog. Com direito a espantalhos e tudo.
As aldeias são pintalgadas de casinhas azuis, muito limpinhas e enfeitadas com desenhos geométricos nas paredes. As únicas representações de vida são desenhos de pássaros. Nas casas, nos bancos dos jardins. Tudo geométrico, menos os pássaros. Não sei porquê.
Estas terras juntaram gente variada proveniência. Proscritos de vários impérios que se refugiaram ali por ser de difícil acesso e fazer fronteira com o Mar Negro.
O Mar Negro continua depositário de muitas lendas. Durante muitos séculos foi navegado a medo por várias nacionalidades. Conta-se que os Gregos pensavam que o Mar estava amaldiçoado porque os tubarões que acompanhavam as embarcações voltavam para trás quando ali chegavam. Seguiu-se a conquista do território pelos turcos. Aquela área passou a ser muçulmana, até ao século XVIII quando foi conquistada por Catarina a Grande. Ali se juntaram Búlgaros,Judeus, Gregos, Turcos, Russos, Ucranianos, Moldavos e Tártaros. Hoje dizemos assim pelas suas "origens geográficas", mas a verdade é que uma série de proscritos acabaram por criar raízes numa terra atravessada por água.Mistura estranha de agricultores e pescadores, isolados mas conectados ao mundo pelas grandes linhas de água. Gente estranha, mas muito acolhedora. Adorei esta pequena incursão num mundo que me é totalmente estranho, mas no qual me senti em casa.

02
Set 04
publicado por parislasvegas, às 08:42link do post | comentar
Que me desculpem a palavra, estranha concerteza, nem mesmo sei se existe tal coisa em português ou se é assim que isto se escreve. Mas é como me sinto. Assentei em cheio nesta santa terra (ir a Moscovo faz um bem danado à disposição), e já estou a achar piada ao facto de me faltar a água quente em pleno duche matinal, ou de a luz ir pró galheiro em pleno filme televisivo a que eu assistia avidamente. Remédio santo para deixar de suspirar por Pequim e pelas minhas curtas (mas boas) férias deste ano. Porque convenhamos: se me ponho a pensar muito nisso, nunca mais aterro. O melhor é encarar essas coisas com sentido de humor. Sim, porque para desgraças já me chega o escritório.
Em pleno assentanço, a única coisa que me recusei a fazer (uma vez que o meu satélite pifou) foi assistir à programação da TV local (assentar, assentar, mas sem exagerar...). Para mal dos meus grandes e muitos pecados o aparelho de DVD, que me debitava episódios do "Six Feet Under" , deu o berro.
Assim, sem mais nem menos. Sem sequer emitir uma pequena avaria de aviso. Grande cabrão do DVD morreu, sem apelo nem agravo. Não sei se influenciado pela história daquela família de cangalheiros (não sei se conhecem a série), ou pelos picos de corrente exagerados que nos dão cabo dos vários aparelhómetros domésticos.
E agora? Sozinha em casa, a querer desligar o cérebro por umas horas e SEM DVD? tou lixada, pensei eu. E estava mesmo. Tive de recorrer ao satélite português, através do qual recebo essas pérolas de cultura que são a RTPi e a SIC internacional.
Ligada na SIC, começo a ouvir o anúncio de uma entrevista a essa grande intelectual portuguesa que é a Lili Caneças. Estava para mudar de canal, quando me lembrei que não tinha alternativas. Resultado: não pude deixar de ouvir uma grande declaração que gostava de partilhar com todos vós: "Só as pessoas fúteis pensam que ser fútil é uma futilidade". Hã? Pensem nisto....
Ps - Gosto TANTO de cá estar, quando oiço estas coisas!!!!!

mais sobre mim
Setembro 2004
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4

5
6
7
8
9
10
11

12
13
15
16
17
18

19
22
23
24
25

26
27
28


arquivos
2014:

 J F M A M J J A S O N D


2013:

 J F M A M J J A S O N D


2012:

 J F M A M J J A S O N D


2011:

 J F M A M J J A S O N D


2010:

 J F M A M J J A S O N D


2009:

 J F M A M J J A S O N D


2008:

 J F M A M J J A S O N D


2007:

 J F M A M J J A S O N D


2006:

 J F M A M J J A S O N D


2005:

 J F M A M J J A S O N D


2004:

 J F M A M J J A S O N D


pesquisar neste blog
 
subscrever feeds
blogs SAPO