Histórias de uma portuga em movimento.
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Nov 04
publicado por parislasvegas, às 03:15link do post | comentar
Ontem o Parlamento aprovou a anulação dos resultados da segunda volta das eleições e votou uma moção de desconfiança na Comissão Central de Eleições. Como isto é um regime Presidencial (como os Estados Unidos), o parecer do Parlamento é puramente consultivo e não tem efeitos práticos.
Amanhã espera-se a decisão do Supremo tribunal sobre estas questões, e essa sim, vai ser vinculativa.
O Yushencko deu o dia de Domingo como dia de descanso aos manifestantes, porque vai precisar de toda a gente que puder reunir amanhã, em frente ao edifício do Tribunal. Dizem que se amanhã a decisão não fôr a que esperam, embarcarão noutras formas de luta, sem dizer quais.
Os manifestantes é que borrifaram para os apelos do gajo e continuam na rua, em força.
Enquanto isto, na parte russófila do país, as assembleias regionais votaram pela autonomia sob a protecção da Federação da Rússia. Que eu saiba, os russos ainda não responderam a isto, e o resto dos ucranianos (tanto os laranjas como os azuis) apelam a que tenham juízo, porque a intenção é manter o país unido.
O panorama do lado russófilo não é muito animador - os canais nacionais de televisão foram cortados nessas regiões. As pessoas não têm acesso a informação porque até a imprensa escrita livre foi banida. A única coisa que essas pessoas vêm e ouvem nas suas casas são os canais autorizados. Um deles, transmite quase continuamente uma espécie de "telejornal". O estúdio está decorado com materiais de campanha de Yanukovich. "Jornalistas" entrevistam vários cidadãos que relatam o grande bem feito a estas regiões pelos governos pós-independência. Dizem que o projecto de Yushchenko é acabar com as pensões de velhice e invalidez, instalar o capitalismo selvagem no país e proibir o uso da língua russa. Os mineiros vão perder o emprego, os pensionistas vão ficar na miséria e toda a cultura russa vai ser eliminada.
Pois não admira que essas pessoas tenham entrado em pânico e se queiram agora separar do resto do país.
Outra coisa que eu ainda não tinha explicado aqui: durante a campanha eleitoral, houve um controlo e censura muito grande em todos os media. Estas pessoas do Leste da Ucrânia não conhecem o Yushchenko, algumas nem sabem como é a cara do homem. Primeiro, porque os canais televisivos estavam proibidos de cobrir a campanha da oposição. Se dessem alguma notícia sobre isto, deveriam ocultar o som real da peça (ou seja, nunca se ouviam os discursos ou comentários dos políticos) e fazer comentários negativos. Segundo, porque todos os comícios da oposição, nessas regiões, foram proibidos "por razões de segurança pública". A única oportunidade que deram à oposição foi a participação num debate com os dois candidatos à presidência, e já foi muito bom.
Não concordo com as parvoíces que tenho visto nos canais estrangeiros, mesmo os respeitáveis, como a Euronews. É só asneira atrás de asneira. A euronews dizia ontem, que esta "separação" é muito normal, porque as fronteiras modernas da Ucrânia só foram decididas na era "Kuchma" (ver cronologia aqui em baixo). Isso é uma grande mentira. As fronteiras modernas da Ucrânia, foram definidas depois da Segunda-Guerra Mundial, com uma parte russófila (nomeadamente a Crimeia) acrescentada por ordem de Brezhnev (que, por acaso, era ucraniano) para compensar os ucranianos do sangue derramado na frente de combate contra os alemães e, também, de todo o terror que sofreram nas mãos de Staline (calculam-se três milhões de exterminados durante a "grande fome").
Toda a gente se esquece que a Ucrânia, enquanto país independente só existe a partir de 1991, mas que tem toda uma história, enquanto República Socialista Soviética da Ucrânia com as mesmas fronteiras que tem agora. Por isso, aquela gente que se quer separar, não me parece que seja por não se sentirem ucranianos. Estamos a falar em terceiras gerações, não em pessoas artificialmente trasladadas de nacionalidade há 13 anos atrás. Os pedidos de separatismo, são uma reacção de pânico, vinda de pessoas que pensam que vão perder tudo se não "pedirem" a ajuda da Mãe Rússia.
O que nunca se conta àcerca da Ucrânia é que, mesmo os russófilos, nunca foram muito bem tratados pelos russos, antes pelo contrário. A República Socialista Soviética da Ucrânia foi instaurada depois de 4 anos de guerra civil caótica, os ucranianos sofreram duas "grandes fomes", uma depois da formação da RSSU e outra depois da Segunda-Guerra Mundial. Os judeus ucranianos foram eliminados, primeiro pelos alemães e depois pelos Soviéticos, os Tártaros da Crimeia foram expulsos em massa para as Repúblicas da Ásia Central. Os ucranianos foram a nacionalidade mais utilizada como "carne para canhão" desde a IIª Guerra Mundial até à Guerra do Afeganistão nos anos 80. E acabou tudo com a "cereja no topo do bolo" - o desastre de Chernobyl - quando Moscovo só avisou as pessoas uma semana depois....
Por isso, quando foi o referendo para a independência, os ucranianos de expressão russa não tiveram dúvidas e votaram em massa a favor da criação de um Estado independente.
Quem lê este blog, pode ter a ideia que eu estou, com toda a força, a favor do movimento laranja. Não estou. Apenas relato aquilo que se passou e se passa nesta terra. Os políticos do movimento laranja agradam-me tanto como os do lado azul. Como observadora estrangeira não me esqueço que os laranjas já estiveram no poder (o Yushchenko já foi primeiro-ministro) e, nessa altura, nada fizeram para melhorar a vida dos cidadãos.
Estou a tomar partido sim, descaradamente, tomo o partido dos desgraçados que, de um lado e outro "das barricadas" só querem construir um país melhor para se viver. Os cidadãos aqui têm dado uma lição de civismo ao resto do mundo. Quando se vêm imagens de apoiantes do dois lados a conversar pacificamente na rua e a trocarem impressões sobre o estado do país, aí é que dá vergonha de ser europeu, tranquilamente instalado nas liberdades democráticas. Um exemplo invulgar na europa do século XXI, onde os cidadãos que têm as liberdades garantidas preferem ir para a praia a exercer o seu direito de voto.

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