Hoje dia amanheceu frio, cheio de sol e já sem nevão. Está um dia lindo. A metereologia prevê temperaturas entre os -8 e os -10, mas com sol e sem nevar.
Quando me levantei para tomar os medicamentos (10.00h) já a praça central estava outra vez cheia de maralhal. Continua tudo na mesma - povão de um lado, polícia do outro e ninguém se mexe.
Como sempre, nestas situações, os boatos de rua são mais do que muitos. De tal forma que eu nem preciso sair de casa para que venham ter comigo. Desde ontem que a população comenta que os polícias anti-motim que protegem o edifício da Administração Presidencial são de nacionalidade russa. Supostamente, Putin "emprestou" os seus meninos das forças especiais para que não fossem sensíveis à guerra psicológica dos manifestantes da oposição (que, como já disse, tratam os polícias por "irmão" e lhes oferecem flores).
Eu cá sou como o S.Tomé - é ver para crer. A única coisa que eu reparei, numa das muitas transmissões ao vivio a partir do centro da cidade, foi que as "forças da autoridade" não falam ucraniano, e parece que não percebem metade do que a população lhes diz. De qualquer forma, é bem capaz de ser uma força especial ucraniana mas formada com tipos de etnia e língua russa (embora a lei ucraniana proiba a formação de unidades especiais cujos membros provenham todos da mesma região do país).
Ontem também assistimos à chegada dos Cossacos à capital. Os Cossacos têm uma história rica e que sempre me despertou a curiosidade. Tornaram-se no símbolo da valentia guerreira ucraniana, mas nem sempre estiveram do lado do nacionalismo. Como por exemplo agora. Ontem fizeram questão de aparecer, aparentemente sem armas, mas fardados, para apoiar o "presidente oficial".
Há registos históricos das tribos de Cossacos que remontam ao século XIII. Eram grupos de homens que recusavam a escravatura a que eram obrigados pelos grandes latifundiários, e que se rebelavam contra tudo e contra todos. Raramente tinham lei, ou ordem. Nos sécs XV a XVII lutaram contra o que lhes aparecesse à frente: polacos, lituanos, alemães e russos. Só a ameaça do Império Otomano os fez aliarem-se a Catarina a Grande. A partir daí lutaram sempre do lado do império russo, transferiram-se mais tarde para o exército regular da União Soviética, onde serviram com bravura da Segunda Guerra Mundial.
Para os ucranianos foi uma grande desilusão, ver o regimento de Cossacos do seu exército do "lado russo". Mas a verdade é que há 300 anos que eles estão desse lado. Acho que os homens só estão a ser coerentes...
Entretanto, com esta confusão toda, eu que não falava uma pinga de ucraniano não tenho outro remédio senão fazer um curso acelerado da língua. Em três anos nunca precisei de saber muito mais do que "olá" e "obrigado" porque toda a minha gente fala russo, e é essa a língua utilizada no comércio e nos serviços. Uma espécie de "língua de negócios" enquanto o ucraniano era a "língua da administração". Agora de um dia para outro, ninguém quer ser "colado" aos russos e em todo o lado - rua, tv, rádio, etc - só se fala ucraniano. Mas a papar tanta transmissão directa ultimamente a coisa já vai mais ou menos. Acho que vou sair daqui a falar o mais puro "surgik" que algum estrangeiro alguma vez conseguiu falar.....
Tenho a ideia de que os dois lados, e os intervenientes internacionais ( não tenho outra palavra a não ser "intervenientes", dadas as declarações da comunidade internacional até agora) estão todos à espera de "resultados" da Cimeira UE-Russia para ver para que lado é que isto cai. O equilíbrio de forças é complicado, principalmente numa altura em que a Rússia está a ser a primeira responsável pela valorização do Euro, tendo já anunciado que vai substituir as suas reservas em dólar por reservas em Euro. Isto para UE constitui uma ameaça económica que não será de menosprezar, uma vez que um Euro demasiado forte, significa baixa das exportações e uma recessão económica, ainda pior do que a que já temos na zona Euro. Ou seja, ou muito me engano, ou os russos trazem-nos atados pelos tomates. Sim porque isto da democracia e da liberdade do povo é muito bonito, mas não é nada prático - estão a ver?
Se eu não soubesse já o que a "casa gasta" teria ficado extremamente chocada com as delcarações do Putin em Lisboa. Ou então fui eu que vi o canal errado e não me mostraram tudo. O que eu vi foi o Presidente da Federação Russa, dizer nas barbas do nosso que a UE estava "deslocada" em relação à questão ucraniana. Ou seja, o Putin foi a casa de um dos membros da UE dizer - metam-se na vossa vida, não chateiem porque não percebem nada daquilo, sejam bons meninos que a gente resolve a cena à nossa maneira - o que eu não vi foi o "dono da casa" a defender as suas próprias posições. Desculpem lá, mas é triste. Não estou a dizer agora que nos devíamos zangar com a Rússia por causa disto, nada do género. Mas pelo menos, se o visitante tem direito a dar a sua opinião, o anfitrião deveria, quanto muito, esclarecer o público quanto à nossa posição. Se isso aconteceu, eu não vi. Tenho pena. Baixar a cabeça na nossa própria casa é muito mau. Já bastou a Cimeira dos Açores para isso.
Também ouvi na rádio e vi em sites internet que a meia dúzia de gatos pingados da comunidade ucraniana em Portugal protestou ontem do Porto (frente à CMP) e em Lisboa (frente à Embaixada). Mas nas televisões não vi nada. Tenho visto as manifestações em Atenas, nos Estados Unidos, até no Vaticano, mas em Portugal nada. Alguém me sabe dizer se passaram em algum canal de tv?
Nota - "surgik" - espécie de dialecto urbano, falado principalmente em Kiev, que mistura russo e ucraniano. Geralmente incompreensível para quem fala bem uma das duas línguas....