Quando se é português, aprendem-se várias técnicas de desenranscanso (que remédio...) em várias situações. Uma delas, bastante frequente, é ter que "disfarçar" constantemente a nossa pobreza. Falo em termos profissionais.
Por exemplo: invento sempre mil desculpas para os colegas estrangeiros não visitarem o escritório. Quando tem que ser tem muita força e aí não dá para disfarçar as condições em que trabalhamos (geralmente muito más) . Mas, geralmente, tento sempre evitar situações embaraçosas desse género.
Outra: quando saio das reuniões e todos os colegas têm sempre o motorista à espera, nos seus belos carrinhos oficiais, eu, portuga, tenho de ir a pé ou de taxi (pago do meu bolso, claro). Tento sair sempre antes ou depois dos outros - para ninguém ver que o meu país não tem dinheiro para me dar as mesmas condições de trabalho que os gregos ou os estónios têm.
Ainda outra: quando tenho que ligar para algum colega, peço, encarecidamente a uma das pessoas que trabalham comigo para fingirem que são a minha secretária. Só para não passar a vergonha de ser eu directamente a falar com as secretárias dos meus colegas.
Não pensem que me queixo porque EU acho que tenho direito a estas condições de trabalho, ou porque acho que EU sou muito importante e blá blá blá. Não. Nada disso. O que se passa é que estas pequenas coisas fazem parte das condições normais de trabalho de qualquer pessoa que exerça esta profissão (os únicos que eu conheço com ainda mais dificuldades que nós são os guinienses, os são tomenses e os timorenses...) e é díficil manter "a pala" de país civilizado e da UE, quando os colegas todos olham para nós como se fossemos bostinhas de vaca, probezinhos que nem têm onde cair mortos, e etc...
Das nossas diferenças de ordenados em relação a todos os outros da UE, nem é preciso falar. Isso acontece com todos os portugueses, apenas partilhamos o triste destino dos restantes: preços iguais e ordenados (muito) mais baixos.
Haveria muito mais a dizer, mas por razões que se prendem com a confidencialidade da minha profissão, não posso....Apenas posso descansar todos os meus amigos que pagam impostos: estejam à vontade que o vosso (nosso) precioso dinheiro não é mal empregado em funcionários públicos da minha espécie (quanto aos outros....). Quer dizer, não é nem bem nem mal, não chega cá e pronto.
O mais engraçado é que, se eu contabilizar aquilo que "dou" ao Estado, chego à conclusão que não me compensa minimamente trabalhar para este patrão. "Dou" horas extraordinárias que não me são pagas, pago o meu próprio transporte, pago as minhas viagens todas para Portugal (tenho direito a uma por ano, mas é sempre tão complicado ter o bilhete de borla, que mais vale pagar e calar), pago mais de 40% do meu alojamento (que, legalmente, deveria ser gratuíto, mas....) pago todas as minhas despesas de saúde e ainda pago...impostos.Cá na minha cabeça, todos os funcionários públicos deveriam comportar-se desta maneira.
Honra é servir o próprio país (desculpem lá a estupidez, mas é assim que penso, senão não me sujeitava a esta vida). Desenvolvimento e progresso é cada um de nós perguntar o que pode fazer por Portugal e não o contrário. Mudança para um país civilizado e moderno só quando tivermos cidadãos que se mexam e prefiram trabalhar do que ficar à espera do subsídio de desemprego. E isso vale para todos, porque nós é que temos de arregaçar as mangas e trabalhar para resolver os problemas do nosso país, e não ficar à espera que o Governo resolva os nossos.