Há uns meses, mudámos de casa e estávamos altamente optimistas. Quatro quartos, um jardim, uma sauna, ginásio, jacuzzi - o que se pode pedir mais? O que os donos da casa se "esqueceram" de nos dizer foi que este pequeno paraíso BLOQUEIA totalmente no inverno. Ou seja, não mencionaram o pequeno detalhe de que as PORTAS da casa, simplesmente congelam e não há maneira de as abrir quando neva. Considerando que há quatro dias que não pára de nevar, estão a ver a beleza da situação.
Quando caiu o primeiro nevão, fomos estúpidos o suficiente para andar três quilómetros, até à estrada principal, para apanhar um taxi e ir trabalhar. Durante uma semana, foi o que tivemos de fazer, porque o portão da garagem é eléctrico e o motor congelou. Agora já conseguimos tirar a máquina e não corremos o risco de a pôr na garagem outra vez. O problema é que a porta por onde nós saímos, também congelou. Ontem para conseguirmos cumprir as nossas obrigações, tivémos que saltar o muro da casa. Qualquer dia ainda nos matamos a tentar chegar ao escritório....
A altura de neve está a tornar-se impraticável em todo o lado da cidade. As estradas estreitaram e agora só têm um sentido (embora passem carros nos dois), porque os limpa-neves, aparentemente, só passam uma vez e em sentido único. Quer isto dizer que eu fiquei sem maneira de me mover. Por minha exclusiva culpa, porque não gosto de guiar no gelo.
Nos primeiros dois anos ainda tentei guiar no inverno. As condições das estradas não são previsíveis, por isso não se pode contar apanhá-las sempre limpas e com sal, para o carro não derrapar. Bem sei que estou a falar chinês, estes pequenos detalhes não fazem parte do dia-a-dia em Lisboa. E foi assim que eu cá cheguei, fresquinha do clima de Portugal, e pensei "se toda a gente guia, porque não tentar?". O meu primeiro carro era muito velhinho ( só tinha 18 anos, o que tenho agora tem 40), duro de mudanças, duro de volante e extremamente temperamental. Tentei circular com ele pela neve, mas todos os dias apanhava um susto. Desisti.
Voltei a agarrar no carro (desta vez o do Xano) há dois invernos atrás. Toda a família estava cá a passar o Natal e eu tive MESMO que guiar, porque precisámos de dois carros e dois condutores. Imaginem a minha figura: fui levar as crianças a almoçar e, na volta para casa, decidi mostrar-lhes o palácio do presidente cá do sítio. Está a boa da Tina, metida num carro descomunal, com uma parte da frente que nunca mais acaba, baixinho, coladinho ao chão, e resolve ir dar a volta à rua presidencial. Nem eu sei como, fiz três peões de seguida - até que o carro parou sozinho. Por sorte, não bati em nada, nem matei ninguém. Nunca mais peguei no carro com gelo. O formato físico da máquina não ajuda muito, qualquer coisa e dá logo de cu e perde-se o controlo do carro. Mas o facto de ser baixinho é fixe- pelo menos não capota...O mais engraçado foi a reacção dos putos: "olha lá, isso não foi de propósito, pois não?"De maneira que vou apanhando boleias do Xano, tentando circular a pé (não tá fácil) e recorrendo ao taxi, quando não há outra forma de me locomover. Os transportes públicos aqui são muito fiáveis no verão, mas no inverno avariam muito e não corro o risco de ficar pelo caminho, metida num autocarro sem aquecimento. É pneumonia garantida!
Mas vai tendo a sua piada ver toda a gente na rua de pá na mão. Lembram-se duma certa "revolução laranja?". Bom, a câmara municipal apoiou os revoltosos, não apenas moralmente, mas com assistência médica, alimentação grátis e outras boas acções. Esses actos de altruísmo municipal, devem, provavelmente, ser responsáveis por este estado de coisas. Tanto dinheiro se gastou a alimentar a revolução, que agora não há cheta para limpar as ruas. Os serviços da comuna estão a falhar como o destino. De forma que toda a gente está, literalmente, a arregaçar as mangas e limpar a neve por si próprios.