Agora que se vão acabando estes anos de xafarica ucraniana, ando a reparar em inúmeras coisas (estúpidas até) que me passaram completamente ao lado. Tenho tido bastante sorte, porque com um trabalho que está carregado de prazos, stresses e hostilidade, até tenho uma equipa bastante bem-disposta e impecável. E alguns até são portugueses!
É verdade que tenho que confessar que não gosto lá muito de trabalhar com compatriotas e passo a explicar porquê:
1- a culpa nunca é nossa, seja a que nível da hierarquia fôr, ninguém assume responsabilidades;
2- existe uma utilização excessiva de frases do estilo: "Ina pá!Esqueci-me!"
3-Temos sempre um filho, mãe, marido, sogra, cão etc..que está doente ou mal-disposto e nos tira a disposição para trabalhar.
4- Transferimos para os colegas de trabalho toda e qualquer discussão que temos com os filhos, maridos, mulheres, sogras, amigos e cães...
e
5- Falamos demasiado e fazemos pouco
De modo que, quando soube que aqui a xafarica até tinha bastantes compatriotas para a distância a que isto está da metrópole, até pensei: "mau, vamos lá ver onde é que eu me vou meter..."
Mas até tem corrido bastante bem. Todos os tugas são jovens, quer dizer, já nenhum de nós pode ir ao cinema com desconto, mas o mais velho tem 42 anos. O que é bastante invulgar para este tipo de serviço. Não me posso queixar de tiques portugas - o pessoal trabalha todo no duro e sem manhas.
Quanto aos locais, isto é um espéctaculo! Para já "locais" a sério temos poucos. Isto é uma espécie de URSS em ponto pequeno.O que torna os jantares conjuntos bastante engraçados, cheios de tradições diferentes e onde, geralmente, acabamos todos encharcados em vodka a cantar o hino da União....Quase todo este pessoal também é novo, oscilando entre os 23 e os 34 anos. Os dois mais velhos, e, diga-se, senhores respeitáveis, são fantásticos. Um ex-Spetnatz (forças especiais da URSS) e um ex-KGB. Um com a cremalheira da frente toda em ouro e outro com uma placa de platina no crâneo. Gosto especialmente deles, e confesso que isso deve notar-se ligeiramente. Trabalham connosco há tanto tempo, que nunca consigo recusar-lhes uma saída mais cedo, ou uma entrada mais tarde...
Duvido que alguma vez consiga vir a trabalhar noutro sítio com tanta gente bonita. Não é para nos gabar a todos, mas até os nossos vizinhos dos outros escritórios comentam que o pessoal aqui da xafarica tem todo bom aspecto, isto até parece uma agência de modeling...Nunca tinha reparado nisso, foi um colega meu que me veio substituir, quando eu casei ,que me chamou a atenção para o facto. Assim que cá entrou ficou a olhar pró pessoal e a dizer "mas vocês escolhem o pessoal por competência ou por aspecto?". Claro que foram todos escolhidos pela competência, até porque (pelo menos desde de que cá estamos) todos tiveram provas escritas para entrar ao serviço. Mas a verdade é que , tanto o staff masculino, como o feminino, tem bastante bom aspecto.
Estamos quase todos deslocados dos nossos países e famílias (mesmo os de nacionalidade ucraniana não são de Kiev e têm as famílias a uma carrada de quilómetros de distância), o trabalho que fazemos é pesado e desagradável, mas toda a gente tem sempre um sorriso e uma piada. Acho que por estarmos longe do nosso elemento, deslocados do nosso território, há poucas intrigas e raramente se gera mau ambiente. Isto deve acontecer também, porque ninguém tem à vontade suficiente para se "esticar" com queixinhas ou calhandrices, como acontece (quase sempre) no nosso país, onde a malta que anda com as costas quentes aproveita para espezinhar os outros. Aqui as relações de trabalho são baseadas no respeito e nas hierarquias, como, aliás, deveriam ser sempre em todo o lado, e não no medo de quem tem mais cunhas, ou conhece mais gente importante.
Não sei como vou ser capaz de um dia (espero que distante) regressar a Portugal.Até vir para aqui, tive sempre uma sorte desgraçada e nunca trabalhei em nenhum ninho de víboras. Mas tenho consciência que o meu caso foi altamente especial e que uma sorte dessas não se repete...
Como dizíamos ontem, eu e o Xano ainda vamos estar em Paris, a beber vodka,ouvir música eslava e a chorar de saudades disto....Mas até isso é tão português, não é mesmo?
Ps - esta posta não se aplica aos dias em que estou completamente furiosa com tudo e todos, com este país, com esta xafarica, e, principalmente, com o meu país. Mesmo com as minhas fúrias, a verdade verdadeirinha é que gosto mesmo de trabalhar com as pessoas que tenho a sorte de ter como colegas, e nunca descarrego as minhas frustrações em cima de ninguém daqui. Ou doutro lado qualquer. Quer dizer, o meu problema maior é mesmo nunca descarregar. Mas isso já é matéria para outra posta.