
Porta com Gaiola - Suzhou, cerca de 70Km de Shangai
O comentário da minha mãezinha a propósito de Shangai, na posta anteiror, fez-me lembrar de outra característica que a China tem - não podemos nunca dar a nossa opinião e estar certos que os outros também a partilham. Seja qual fôr a cidade chinesa de que falamos, todas as impressões são altamente individualizadas (pelo menos para os ocidentais) e, geralmente, bastante fortes. Com a Ásia, em geral, não há meias tintas. Penso que o caso africano deverá ser o mesmo - ou se ama, ou se odeia. De tão diferente que se nos apresenta a realidade, que não há sequer tempo para se decidir se gostamos ou não. O impacto da terra e das gentes é intestinal. Vem de dentro, é quase físico, e ao mesmo tempo ligeiramente místico.
Cada vez que vou ler novamente as minhas notas de qualquer viagem asiática, tenho a impressão de que me deslocaram para um mundo que funciona com regras diferentes em tudo, menos na física e na química. Há coisas, após estas 5 ou 6 viagens em apenas 3 anos, que eu já dou por mim a fazer automaticamente. Por exemplo: desta última viagem, com a mudança de clima (passei de 15 para 45 graus) apanhei uma ligeira constipação, acompanhada de uma valente dor de garganta e dei por mim a pedir à minha cunhada que me fizesse um chá de gengibre e coca-cola, mistela altamente desagradável de gosto, mas que é tiro-e-queda para resfriados.
Nestes anos a trabalhar com culturas e costumes estrangeiros, a viajar por obrigação e por gosto, tenho encontrado hábitos tão radicalmente diferentes dos nossos, que acabei por interiorizar e que já me saem mecanicamente nas alturas certas. Outro exemplo: nunca estender a mão a um muçulmano. Porquê? Porque se provoca uma situação desagradável para os dois - o senhor não vai gostar de ter de apertar a mão a uma senhora (até porque o contacto físico seria uma falta de respeito para mim), mas se estiver num ambiente ocidentalizado, vai passar por tacanho, fundamentalista e etc, se não o fizer. Ora, (e isto aprendi com os chineses) porquê fazê-lo passar uma vergonha, quando o acto de me apertar a mão apenas me ofende a mim (lá na cultura dele, claro..). Assim, cumprimentando estes senhores com uma respeitável vénia, que é sempre alegremente correspondida (com alívio, diga-se....) salvam-se duas faces - a dele e a minha. Toda a gente ganha, e não dói a ninguém.
Escrevi este exemplo com a religião islâmica, por ser o mais fácil de compreender, mas com um monge budista seria a mesma coisa. Pouca gente sabe, que uma senhora deve sempre manter uma distância respeitosa de um monge, não deve olhá-lo de frente, e não deve tocar nunca, nem na sua pele, nem nas suas vestes.
Para mim, absorver os diferentes códigos de comportamento humano, e, acima de tudo, tentar entender a sua razão de existir e os mitos e histórias por detrás dessas regras, é o meu "desporto" favorito. Na verdade, às vezes penso que devia ter sido antropóloga ou socióloga, mas, infelizmente, se tivesse seguido essa via, se calhar ainda não teria tido oportunidade de ver metade do que tenho visto do mundo.
É esse o fascínio que a China exerce sobre mim, e é por isso que tenho metido na cabeça que ainda tenho que ir para lá viver, nem que seja apenas por uns anos. Só para tentar descortinar um pouco dos diversos costumes, das tradições, da mitologia e etc. E quem quer isso, tem mesmo que estar lá a tempo inteiro.
Este desejo, faz parte da minha filosofia de vida. As pessoas e a diversidade deste mundo, são apenas manifestações exteriores de outra coisa que eu não consigo compreender. Não porque ainda seja nova, ou não tenha experiência. Simplesmente não sei se alguma vez vou conseguir compreender essa tal "energia superior" que é suposto regular tudo isto.
Aquilo que eu levarei comigo quando acabar a minha curta permanência neste mundo, serão as experiências e o meu contacto com outros humanos. Daí a minha curiosidade de querer conhecer tudo - este mundo é demasiado grande, e a vida demasiado curta para não aproveitar.
Também é verdade que, dentro do meu jeito fechado de alentejana, tenho capacidade suficiente para me adaptar e para estar sempre a aprender coisas novas, ou melhor, para estar sempre a começar tudo de novo.
Penso, também, que este dessasossego tem que ter alguma coisa a ver com os meus genes de portuga da planície. Tantas gerações de seara como paisagem devem ter curto-circuitado os meus neurónios e agora só quero é lonjura, mar e distância da Europa. Claro que também preciso de tratamento psiquiátrico, porque uma pessoa que acha piada a recomeçar tudo de x em x anos, deve ter um grave problema na moleira. Maior parte dos humanos já são sedentários há milénios, e eu ando com alma de nómada a propósito de quê?
A tudo isto, junta-se o grande stress de estar a ficar velha (salvo seja!) e de pensar e sentir que tenho de sedentarizar não importa onde, porque essa é a melhor maneira que eu conheço para educar crianças que possam ser, no futuro, pessoas equilibradas e que tenham coragem suficiente para tentarem ser felizes.