Num dos dias agitados de Pequim, resolvi fazer realizar um dos desejos da filha do Xano, e lá nos metemos, as duas, na aventura de ir arranjar as unhas, sem falar uma pinga de mandarim....Com a mania dos desenrascansos e que me faço entender em qualquer língua, nunca pensei que esta ida à manicure se tornasse uma experiência tão etnográfica.
Procurámos um salão com bom aspecto, daqueles que parece que até varrem o chão todos os dias,e que não tivesse manchas de gordura nas paredes. Encontrámos. Entro e faço sinal que queremos arranjar as mãos. Para meu grande alívio, tinham um menu de unhas (um menu de unhas, meu Deus!!!) em mandarim e em inglês.
Lá escolho uma modesta "manicure francesa" pensando que tudo o que me iria acontecer seria limar as garras e ter alguém a pintá-las de rosa e branco. Mal sabia eu as quatro horas de sofrimento e imobilização que me esperavam....
Logo à abrir puseram-me isto nas unhacas:

E eu pensei: "mau....que raio de merda é esta?". Foi aí que eu comecei a ver que as minhas habilidades de comunicação em mandarim poderiam não ser suficientes para me safar a umas unhas de 5 cm cada. Entretanto, já toda a trupe de manicures se tinha juntado à volta das nossas cadeiras (venham ver! brancas!) e olhavam pra nós como se fossemos o espectáculo mais apetecido do Zoo. (Olha já viste como as mulheres deles são feias? Já tinhas visto alguma assim tão magrinha?Repara bem na cor dos olhos daquela, aquilo são o quê? Lentes japonesas azuis?)
Foi aí que apareceu o "dono" da casa. O filho único da dona da loja. Um puto magricela com cabelo rapado, rondando os seus 12 anos. Entra, beija a avó, manda um arroto sonoro para anunciar a sua chegada, ignora completamente a mãe (que por sinal também o ignorava completamente) e senta-se à minha frente a analisar o "alien" que lhe caiu ali na loja, nem eu sei como....
Anuncia à geral que vai cagar (palavra d'honra, até sem perceber muito de mandarim, qualquer pessoa apanhava esta) e mete-se na casa de banho. Sinfonia de peidos, durante uns 10 minutos, com a avó e a maezinha da criança a terem ataques de riso a cada peido mais sonoro.
A criancinha lá acaba a banda sonora, volta a instalar-se na cadeira à minha frente e começa a exigir comida à avó (na China as responsabilidades de criação, educação e alimentação saltam sempre uma geração. Os pais só pagam, os avós criam). A avó saca de um "paper bag" da KFC e entafulha três pernas de galinha ao miúdo, assim sem aviso. Nesse momento percebo com uma clareza absurda, porque é que tenho visto tanta criança gorda nesta cidade.
Em cada criança gorda se aliam duas grandes obcessões chinesas: deixar descendência e comer bem. Um povo que combina estas duas pancadas psicológicas e que, ainda para mais só pode ter um filho (se sair rapaz à primeira, acabou-se. Se sair rapariga, ainda te deixam tentar o segundo. Nos hospitais é terminantemente proibido dizer o sexo da criança às grávidas. Os abortos de meninas escandalizaram até os comunistas...)está, sem se dar conta, a criar toda uma geração de gordos inúteis à sociedade. Inúteis, porque um filho único na China, por tradição cultural, não faz nada. Tem tudo feito. Como esperam que depois tomem conta dos negócios da família ou sustentem os mais velhos?
Distraída com o raio do puto, mais as reflexões político-filosóficas sobre a política de natalidade chinesa e o peso da herança cultural na educação dos miúdos, apercebi-me, demasiado tarde, que já ia com uma mão inteira de unhacas postiças de acrílico, com cerca de 2 cm cada (ai meu Deus!!!)
Não tive outro remédio senão sofrer em silêncio as outras duas horas que demoraram a reconstruir as unhas da mão direita, até ficar com as duas assim:

Depois deste bonito serviço, ainda tive que discutir com a rapariga, porque ela queria encher-me a porra das mãos com brilhantes (olha, mas porque é que não queres? Fica tão lindo!Diamantes!!!!!), enquanto o senhor que manicurava a Carol sofria de um grave ataque de gases que, à boa chinesa, tratava de libertar em público. É mesmo assim - substâncias tóxicas dentro do corpo devem ser libertadas o mais rapidamente possível. O peido sai em qualquer altura, em qualquer lugar. Antes isso do que fazer mal a uma pessoa!!!os outros que se aguentem com o cheiro!
O resultado desta manicure etnográfica foi uma semana de imobilização total - é que não se consegue fazer ponta de corno com umas unhas daquele tamanho!Ao início nem conseguia acender um cigarro....
De volta a Kiev tive de me desfazer delas, ou seja, de parte delas. Cortei-as. O resto ainda cá está. É que isto é uma espécie de acrilico de secagem rápida que eu...não faço puta ideia como se tira esta merda das mãos!!!!