
Estranho este mundo onde vivemos....Não é preciso repetir, porque acho que toda a minha geração o sente, que hoje vivemos sem códigos, sem regras e com muito poucos exemplos que possamos seguir. Morreram os heróis, Deus morreu, não há nada a que nos possamos agarrar que não seja a nossa própria determinação, o nosso projecto de vida ou de sociedade, seja lá ele qual fôr. O século XX representou 100 anos de mudança excitante de mentalidades: passámos de um Deus místico a acreditar que os humanos se poderiam organizar de maneira a criar sociedades justas. Deixámos de pôr tudo nas mãos de Deus e passámos a ser donos do nosso próprio destino. Como consequências tivemos várias experiências sociais falhadas, desde o fascismo ao comunismo até a social democracia com o seu modelo do Estado-assiste-a-tudo-e-sustenta-toda-agente já faliu. A família faliu. O modelo papá-mamã-e-meninos já não existe. Por muito que a minha geração se esforçe em fazer o mesmo que os seus antepassados, a coisa já não funciona.
Mudei para a idade adulta no final do século XX, assisti a uma queda em flecha da mentalidade tradicional, à queda do muro, às primeiras guerras por petróleo em nome de Deus, à tentativa desesperada da Europa em manter-se à tona d'água. Toda a agitação e confusão latente ao final do século XX se mantém, como se o nosso mundo estivesse a sofrer um parto doloroso e prolongado. O que sairá daqui? No fundo, a minha geração começou a sua vida de adulto num mundo tumultoso e incerto e continuamos a tentar o exercício de orientação no escuro.
Todos nós pisamos terreno desconhecido. A tradição já não é o que era. As regras sociais foram inventadas com o propósito de se poderem medir as reacções do outro. É um código de linguagem cifrada que nos permitia enviar mensagens ao vizinho, sabendo de antemão qual seria a resposta. Ninguém corria riscos e toda a gente ficava contente. Essa estabilidade já não existe, e exige uma adaptação constante a novos códigos de conduta e a novas linguagens que já não têm o dom da universalidade.
No entanto, não vejo que todo o quadro seja negativo. Para já porque considero que as mulheres são as grandes responsáveis pela mudança social do nosso tempo. Também somos nós que mais sofremos as consequências dessas mudanças, mas tudo tem um preço....O facto de termos recusado voltar ao fogão a seguir à segunda Guerra Mundial, alterou o mundo ocidental de uma forma que pode, inclusivé, provocar a sua extinção. Mas a evolução não é sempre sinónimo de sobrevivência. Recusámos ficar em casa a mudar fraldas. Recusamos casamentos de sacrifício. Mas também não acompanhamos os filhos, mas também não temos maridos que nos acompanhem na velhice, mas também trabalhamos o triplo relativamente aos nossos companheiros homens.
Como todas as alturas de mudança, também o momento actual tem sofrido contra-golpes. Todos os movimentos religiosos fundamentalistas, que existem em todas as religiões monoteístas, são um excelente exemplo disso. Em todas as épocas da história, os sectores perdidos se agarram a Deus, não interessa qual. Eu acredito que o homem conseguirá libertar-se de todos os ópios.Para lá caminhamos,não tenho dúvidas. Resta saber se conseguirá encontrar valores que lhe permitam viver em liberdade e igualdade.