
Kiev continua como crisálida.Até agora não consigo entender se isto se vai tansformar numa linda borboleta colorida ou numa traça daquelas horrorosas e nojentas.
Penso que a primeira opção será a mais provável, afinal não estamos a falar de urbanismo em Portugal.... Os kievitas sempre tiveram muito orgulho na sua cidade verde (das primeiras coisas que aprendi a dizer em russo: gorad Kiev, eta otchin zelionii gorad) com monumentos brilhantes e edifícios cuidadosamente restaurados. Pelo menos as fachadas estão restauradas e são sempre pintadas de novo em cada Primavera.Os edifícios podem cair de podre, mas pelo menos não são feios e nenhum turista passa pela sensação desagradável que se tem em Lisboa ou no Porto de achar que as cidades podiam ser bonitas se estivessem ao menos limpas e cuidadas.Bem sei que isto também é andar vestido de seda com as cuecas rotas, mas não há quem seja perfeito....
Kiev viveu um final de 2004 alucinante e tem passado 2005 numa mudança constante. Até os típicos mamarrachos de pato bravo já se instalaram na cidade - e daí o meu medo que isto evolua para se tornar numa traça feiosa.Valham-nos os velhos do restelo que ficaram do sistema comunista para protestar contra mamarrachos capitalistas, já que na altura do Estaline ninguém podia abrir a boca e agora o resultado está à vista: 20% da baixa da cidade ocupada por edifícios que oscilam entre o realismo soviético e o bolo de noiva....
Quando cá cheguei esperava encontrar um país em dificuldades, mas, sinceramente, com melhores condições gerais de vida. Mesmo tendo posses, mesmo conseguindo desencantar dólares, há quatro anos atrás, o sistema era verdadeiramente equalitário: ricos e pobres ficavam sem aquecimento, sem água, sem luz e sem comida nos supermercados. A situação melhorou bastante no último ano, devido à revolução, melhorou para os ricos, bem entendido, mas essa não é característica única da sociedade ucraniana.
Neste último Inverno apenas tivemos que passar umas semanas com falhas de aquecimento e energia eléctrica, passei uma semana sem água, mas sei que não foi geral, só o meu bairro é que passou por isso, e um mês e meio de gasolina racionada. Durante meses faltou a carne de vaca nos supermercados e o açucar aumentou sei-lá-quantos-por-cento. .
Sei que a situação em Portugal está difícil, mas , para mim, o que me afectou este Inverno, foi ver donas de casa a verificar o preço do açucar com lágrimas a escorrerem pela cara quando chegavam à conclusão que não o iam conseguir comprar....
Mas a verdade é que foi o ano com menos dificuldades. E eu falo do alto da minha condição de estrangeira. Tenho possibilidades de encomendar comidas enlatadas e conservadas, vindas da Dinamarca e entregues à porta de minha casa "duty-free". Encomendo para mim e para toda a minha família ucraniana, desde colegas de trabalho a amigos que não tinham (agora está a ficar diferente) possibilidades de encontrar os produtos à venda localmente.Cada vez que chegava um carregamento, era dia de Natal.Coisas tão simples para vocês como o papel higiénico, já faziam as alegrias de quem cá vivia.Limpar o cu a papel macio.Que luxo!
Parto com o coração ligeiramente apertado por não saber ainda em que sentido a mudança se vai concretizar.
A Capital de qualquer país dita tendências gerais. Kiev está a trilhar um caminho perigoso. Cheia de diferenças sociais, está a transformar-se numa América Latina congelada: os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Sem classe média que se veja, cada vez mais sem acesso às coisas a que estavam habituados. É que nesta terra pode não haver açucar, mas havia escolas, hospitais e apartamentos de graça (a paz, o pão,saúde, habitação - não era esse o nosso sonho há trinta e muitos anos????). Agora de borla é só o ar que se respira e já é bom.
Temo que as cenas de crianças abandonadas (loirinhas, lindinhas, cinco de anos e já de cigarro ao canto da boca, em pleno Inverno, 27 graus negativos e os putos a remexer no lixo a ver o que havia para comer) que encontrei quando cá cheguei se tornem uma constante.
Mas agora é tempo de agarrar oportunidades e tentar aproveitar os mais de 80 milhões de Euros que nós, contribuíntes da UE, oferecemos a este país (para 2005) como ajuda ao desenvolvimento, para DESENVOLVER mesmo.É aceitar este conselho vindo de uma Portuguesa "faz o que eu digo, não faças como eu faço".......