Como já perceberam, estes 3 anos, 9 meses e 28 dias de Ucrânia "are getting to my nerves". Reconheço que tudo teria sido mais pacífico e melhor para o meu equilíbrio enquanto individuo, se eu tivesse saído quando devia, há cerca de três meses. Assim, estes meses a viver num AP soviético, a suportar e executar o trabalho de duas pessoas no meio das porcarias burocráticas e práticas que uma mudança de país exige, retiraram-me a pouca energia e paciência que eu já tinha.
A Ucrânia, obviamente, não tem culpa.
Tenho de agradecer a este país ter-me feito crescer à força. Ao pontapé. Ter-me mostrado a vida privilegiada que todos temos na Europa e como somos uns mariquinhas instalados no nosso conforto ocidental.
Por isso cresci. Muito.Completamente à bruta, mas aprendi muitas coisas. Depois de uma certa idade é quase impossível fazer amigos. As desilusões que apanhei aqui relacionadas com comportamentos de pessoas que julgava serem já próximas, ensinaram-me isso. Apesar de tudo saio daqui com, pelo menos, dois amigos - dois irmãos pró resto da vida. E o Xano sabe, porque que ele também os tem.
Aprendi que quando se está numa certa posição é preciso analisar "hidden agendas". Aprendi que as pessoas nunca são simpáticas de graça e querem sempre alguma coisa em troca. Eu interpretei mal e pensei que essa "coisa" que queriam em troca era amizade. Não era. Houve gente que se aproximou de nós pelos nossos contactos e pelo círculo social em que nos movíamos. Usaram-nos como estrada para chegar ao objectivo. Acontece. Vai acontecer mais e ainda bem que já consigo identificar isso.
Vocês devem estar a ler esta merda e a pensar "porra que grande ingénua e grande lamechice". Pois....recomendo vivamente uma experiência destas a quem nunca saiu da "Europa Ocidental" e depois então venham falar comigo.
Aqui aprendi também a minha sexta língua - Russo. Espero não a perder totalmente, não apenas por razões práticas, mas também por razões sentimentais. Lutei com esta língua quase dois anos, até perceber, finalmente o mecanismo mental da gramática desta gente. A partir daí comecei a entendê-los melhor, mais profundamente. Às vezes pode passar-se anos num sítio, falando a língua, entendendo tudo o que se passa à nossa volta, mas sem entender a mentalidade. Acho que consegui fazer isso através da minha melhor compreensão de como funciona o mecanismo cerebral que os faz exprimirem-se nesta língua, tão estranha para um latino.
Passei a odiar Invernos. Eu que gostava imenso de frio. Odeio neve, odeio os dias de temperaturas alucinadamente negativas. Odeio andar na rua e ter o corpo dormente, deixar de sentir os membros, pensar que tenho que entrar em casa senão morro. Mesmo com o melhor dos casacos, mesmo com toda a protecção polar que se possa vestir. Odeio os dias só com 5 horas de luz. Deprimo e mirro com a combinação do frio mais escuro. Detestei essa parte de todos os anos aqui. Claro que não sou só eu. Ainda hoje ouvi um grupo de estrangeiros a falar no Inverno de 2002 como se de uma batalha se tratasse: "Estavas cá???Horrível!!!!27 graus negativos!!Ia morrendo!!!"
O meu relacionamento com o povo também não começou da melhor maneira.
Isso parou com a revolução laranja e a invasão de estrangeiros que se seguiu. O povão aprendeu a distinguir-me enquanto latina. Às vezes até tentam falar-me em italiano ou em espanhol. UAU!O que isto mudou!!!! Também reconheço que dois anos sem praia me tornaram menos preta, mas pronto....
Enfim, foi um destino que me deu luta. Profissionalmente e pessoalmente. Não posso dizer que tenha desgostado. Não posso dizer que me tenha apaixonado. Foi um "casamento" atribulado, e muito embora continue a nutrir sentimentos fortes por este país, devo confessar que o divórcio faz de mim uma mulher bastante mais feliz...