A vida de expatriada tem destas coisas: no voo Paris-Kiev desta semana, conheci um senhor, já passado dos 60 anos, Mauríciano, director do Programa das Nações Unidas para Chernobyl. Após termos baralhado as hospedeiras com a conversa que tivémos em francês-inglês-russo-espanhol, o pessoal de bordo, resolveu fazer apostas a dinheiro sobre as nossas nacionalidades. Isto é mesmo de quem não tem mais nada que fazer, mas ali fechados no Airbus, o pessoal tem que recorrer a estes prazeres infantis para se divertir.
Em relação ao meu companheiro de viagem, o sotaque a falar francês acabou por traí-lo: Maurícias, sem dúvida. O Comissário de Bordo ganhou um jantar em Kiev.
Comigo a coisa foi mais complicada - acabei por ganhar um copinho extra de bom champanhe, porque ninguém acertou. A maioria apostou que eu era italiana, nunca lhes passou pela cabeça que eu pudesse ser portuga. Aqui também foi o meu sotaque francês que me traiu (os erres e as anasaladas ainda não me saem a 100%). Afinal, todos os portugas que estes franciús conhecem falam lindamente francês....
Ontem, encontrei outra vez o meu companheiro de Airbus. Fui-lhe mostrar o Bar mais "hip" de Kiev. Nestas andanças pela URSS desde os anos 60, o homem não estava à espera desta explosão de capitalismo.
Na hora e picos que passámos, acompanhados de cerveja local, demos a volta ao mundo. Falámos sobre as nossas viagens de trabalho e de lazer, dos sítios favoritos.
Conversa estranha, apesar de tudo: "mas conheces aquele restaurante em Hong-Kong? Aquele que fica no primeiro andar, um indiano com um aspecto horrível, mas com comida fantástica!!!""Em Helsínquia, sim, ao lado do Radisson não é??" "O único síto onde se come bem na Finlândia""E o Sushi do Shangri-La de Bangkok!!!Maravilha, até a minha mulher, que é Japonesa, se rendeu àquilo!""E o restaurante Francês do JianGuo em Pequim!!!""Não vais acreditar nisto, mas eu fiz a festa do meu casamento no bar do JianGuo""Olha, eu fui mais prosaico, casei em Vegas!!!""Tens de ir a Kuala Lumpur - adoro poder comer com as mãos sem ter o mundo a olhar pra mim...""E o restaurante georgiano ao lado do Kempisky em Moscovo??"
Enfim, dois tipos expatriados que adoram comer bem e beber melhor. Fiquei cheia de dicas onde comer na Malásia e, claro, nas Maurícias também. Fartámos de rir ao descobrir que nos enfiamos nos mesmos buracos quando viajamos.
Quando estávamos já no final da conversa o olhar dele abateu-se. Explicou-me que os amigos que deixou nas Maurícias, há mais de 30 anos, nunca iriam poder ter uma conversa destas com ele. Que se entristecia quando ia a "casa" e passado 15 dias já queria voltar a Nova Iorque. Disse-me: não me consigo libertar das minhas raízes, mas já lá não pertenço. Dou-te um conselho - nunca percas as tuas, nunca deixes o fio sentimental que te liga ao sítio onde nasceste romper-se. E isso não se faz apenas com a família, os amigos, às vezes, ainda são mais importantes.
Quis-lhe explicar a minha história da orquídia e porque é que eu gosto tanto dessas plantas, que resistem em todo o lado e têm as raízes no ar. Senti-me ligeiramente ridícula, e em vez disso respondi-lhe simplesmente: "Don´t worry. I planted my friendships very carefully, and I water them regularly..."