Nem sei por onde hei-de começar. Não vou estar aqui com merdas de que a vida está difícil, de que tenho não-sei-quantas toneladas de tralha para arrumar, que estou desesperadamente a tentar apanhar um comboio em andamento (o meu novo trabalho), que ando às aranhas com esta cidade que não conheço, perdida e à toa com tudo, desde a casa, ao trabalho, aos percursos diários, às compras e etc. Não não vou estar com merdas, porque apesar disso tudo, a vida não está difícil.
Este primeiro período vai ser um bocadinho mais complicado, mas é uma altura que eu odeio e adoro ao mesmo tempo. O que esta primeira fase de adaptação tem de estranho, enervante e extenuante, tem igualmente de novidade, excitação e contentamento.
O melhor mesmo é contar a história como ela é e deixar-me de considerações filosóficas.
Cheguei cá, há cerca de uns 10 dias, ao mesmo que chegaram os 300 caixotes que continham a nossa vida empacotada.
Logo à chegada tive uma agradável surpresa: depois de cerca de duas horas de sofrimento com formalidades veterinárias em Kiev (e xixis no chão do aeroporto – bem feito!!!), mais três horas de viagem até Paris, as nossas meninas foram imediatamente libertadas no aeroporto francês. Sem esperas, sem demoras, sem mais stresses.
Os franceses têm esta relação estranha com animais de companhia: são MESMO animais de companhia- vão ao restaurante, supermercado e às compras em geral com os donos, vão aos aeroportos esperar donos que chegam, andam por todo o lado, enchendo as ruas de Paris com merda e xixis à vontadex. As nossas bestas são tão mimadas, mas tão mimadas, que assim que nos viram no aeroporto desataram a ganir, uivar, etc, e ainda bem. O pessoal da alfândega borrifou para o controle veterinário (embora elas tenham tudo mais do que em ordem) porque, e passo a citar: “os bébés precisam de ir pipi”. Haaa, civilização é mesmo outra coisa....
Passámos os restantes quatro dias a tentar imprimir um mínimo de ordem à casa, pelo menos para termos utensílios para cozinhar e roupa para vestir. Tivémos de ir comprar algumas coisas, porque temos vivido em casas parcialmente mobiladas até agora. Aqui começam as minhas figuras tristes....
Andei que nem barata tonta, feita estúpida, perdida com tantos móveis, tanta escolha, tanta coisa. Nestes últimos quatro anos habituei-me a viver sem algumas coisas e com outras de má qualidade, porque era só o que havia....
As “practicalities” ainda não acabaram, mas já conseguimos ter cama para dormir, duas cadeiras para sentar, mesa da cozinha e panelas para cozinhar. Ando inchada com a minha casa no campo, que tem potencialidades para se tornar a casa mais bonita em que já vivi.
Vivo numa aldeia, muito pequena, a cerca de 30 Km da cidade, uma aldeia onde maior parte das famílias são estrangeiros como nós, a trabalhar em Paris. Claro que maior parte das minhas vizinhas não trabalha, ou trabalham apenas em part-time. Quase todas têm filhos pequenos e nos países civilizados é assim que funciona.Há campos de criação de cavalos, quintas de produção de vegetais biológicos, enfim, campo, mas campo francês. Quando se vê a qualidade de vida dos camponeses franceses é que se percebe porque é que estes gajos “comem” 80% do orçamento da PAC.
Isto é mesmo um país de gulosos , ou “gourmands” como se diz aqui. Cada centavo que se gasta em comida é bem-empregue. A qualidade dos produtos, a frescura, os sabores, fizeram com que eu voltasse a ganhar gosto por comer e comer bem. Graças a isso ando a engordar a olhos vistos, em 10 dias a roupa já me está apertada.
Espero bem conseguir compensar os 10 quilos que perdi nestes anos de Kiev, mas também espero não me esticar para além disso. Também ando a gostar de me olhar no espelho novamente. Perdi o ar cadavérico, tenho côres e as olheiras já se transformaram nas minhas habituais marcas crónicas debaixo dos olhos, já não andam desgraçadamente negras e profundas, voltaram à normalidade de olheira “saudável” de mulher do Sul. E depois? O que querem que lhes diga mais???Ando feliz, porra, finalmente, ando feliz.