Fiquei a remoer numa conversa que tive na sexta-feira a propósito dos "que têm nome" e dos que "não têm nome". Isto com um amigo com um nome altamente sonante e várias vezes associado a feitos históricos e episódios heróicos portugueses. Agora que as adivinhas andam na moda no Alto Seixo, vejo, com uma certa piada, que conheço pessoalmente alguns descendentes das personagens de que falamos.
Mas dizia eu que fiquei a remoer nisto dos nomes. Nunca fui da opinião de que há "gente sem nome", aliás, isso até é proibido pelo nosso código civil, como tal a única importância que dou a um nome e, nomeadamente, ao meu é saber de onde ele veio. Sabendo as raízes do nosso nome de família, podemos saber algo da história dos nossos antepassados. Por vezes, uma curta investigação chega para destruir completamente uma ideia mítica que se formou ao longo dos anos.
Isso aconteceu comigo durante os últimos tempos que passei em Kiev.
Convencida, pela cor da minha pele e ascendência geográfica com raízes no Sul de Portugal, que descendia de Mouros (demasiado pobres para terem fugido para Marrocos ou Turquia, mas demasiado teimosos para se converterem ao catolicismo), nunca pensei duas vezes sobre a origem da minha família paterna. Nenhum dos meus familiares Alentejanos tinha muito apreço pela Igreja. As Igrejas são os sítios onde se entra para o baptismo das crianças (quando e se...) e para os funerais. Uma pessoa pode não casar na Igreja, mas, pelo sim, pelo não, convém ser enterrado com presença de padre, não vá o Inferno existir mesmo...
De modo que a questão só voltou a aflorar-me o espírito quando, no final de uma conversa totalmente profissional com um colega, ele me pergunta se eu não gostaria de conhecer Israel. Disse-lhe que sim, especialmente Jerusalém, mas quem não gostaria de ir a essa cidade tão magnética, tão simbólica??? Que não, que não falava em turismo. Se eu não gostaria de ir a Israel para ver a minha terra. Pois, mas a minha terra é Portugal e eu não sou judia. Pois, que talvez não de religião, mas de "sangue" sim. De certeza. Eu que fosse investigar e depois lhe dissesse alguma coisa.
Investiguei. Mas nunca mais lhe disse nada. O meu nome de família quer dizer "campo com árvores" em hebraico ( e em português também, por acaso). Não é um nome adoptado para disfarçar como "Pereira", já era esse o nome do braço judeu da família e calculo que não tenha mudado nunca. Maior parte dos judeus com este nome ficou em Portugal, não se mudaram para Constantinopla ou Amesterdão (aqui nada muda - pobres como só nós!), antes preferiram rumar a zonas periféricas onde a Santa Inquisição não tivesse tanto controlo. A migração veio mais tarde, por volta dos século XVI, quando grande parte dos judeus emigrou para o Brasil e, ainda mais tarde, para os Estados Unidos.
Em Nova Iorque, uma das grandes mulheres-rabi e Professora de interpretação da Torah tem o meu nome de família. No Brasil, algumas famílias com o nosso nome voltaram a professar o judaísmo . O que é isto quer dizer? Ainda não sei. Ainda ando a mastigar a surpresa de, afinal, não descender de nenhuma princesa moura....
Continuo a ter o desejo de ir a Jerusalém (ou neste caso, será voltar??), mas prometi a mim mesma: só vou no dia em que houver paz, no dia em que palestinianos e judeus se entenderem, no dia em que Israel seja um Estado sem ligação directa a nenhuma religião e quando a cidade poder assumir toda a espiritualidade das três religiões monoteístas sem guerras em nome de Deus. Isto é: dia de S.Nunca , de preferência à tarde.
Enquanto isso, tenho todo o tempo do mundo para investigar mais de onde venho, já que não sei para onde vou.