Histórias de uma portuga em movimento.
29
Set 06
publicado por parislasvegas, às 09:17link do post | comentar | ver comentários (4)

Depois da que foi, sem dúvida nenhuma, uma das melhores e piores semanas dos meus 32 anos de vida, suporto hoje o último dia de trabalho antes da partida para paragens asiáticas.

Nunca fui tão feliz como nas últimas duas semanas, raramente fiquei tão triste quando o sonho se desmoronou. Agora, a caminho da Malásia, ando entusiasmada com a expectativa da descoberta. Como não vamos ficar na Capital, tenho um certo receio que o recanto de Borneo que escolhemos seja demasiado "folclórico" e turístico . Pelo que tenho lido na net , vamos ficar perto do monte sagrado lá do sítio e até podemos assistir a cerimónias dedicadas aos deuses da montanha. Hummmm . Cheira-me um bocadinho a folclore para inglês ver...

As notas positivas são os orangotangos (se não vir nenhum fico lixada...) e os sites de mergulho, que são um espectáculo para fotografia macro.

Tenho sempre uma sorte do caraças com a fauna local dos sítios que visito. Uma vez andei na Tailândia a fazer shark dive ", sem ver um único estúpido tubarão...É ligeiramente frustrante, andar a 40 metros de profundidade, sem ver um palmo à frente do nariz, durante quase meia hora. Acaba por ser um exercício fútil, porque quando não se consegue ver as barbatanas do tipo da frente, também não se vai conseguir ver nenhum tubarão, a menos que este nos morda o rabo...

O meu primeiro tubarão provocou-me, como em todos os mergulhadores, uma descarga de adrenalina que me viciou pró resto da vida. Andávamos no Mar Vermelho, com uma visibilidade perfeita (certa de 15 metros de visibilidade) a uns 25 metros de profundidade. Vejo a guia à minha frente a apontar para mim e a fazer o sinal "tubarão" que se faz pondo a mão na testa a imitar uma barbatana. E eu olhei para trás, pensando que o bicho vinha nas minhas costas. Erro. O bicharoco, que até era pequenito (devia ter um metro e vinte, não mais) vinha mesmo por baixo desta vossa amiga. Ver uma barbatana quase a roçar-me no peito teve mais efeito do que qualquer droga estimulante. Ia-me borrando toda, é certo, mas adorei!

Vi tubarões com fartura nas Maldivas, eram tantos que até a tomar banho na praia eles vinham ter connosco. Os bebé s andam em águas pouco profundas e não fazem mal nenhum a ninguém. Mas vá-se lá explicar isso às bifas que berravam que nem umas doidas quando viam a barbatana à tona da água. E eu danada com as gajas porque queria nadar descansada com os tubarões bebé s que se assustavam com aquela histeria toda e acabavam por fugir. É o que dá o pessoal ver muitos filmes.

Mas esta divagação toda só para dizer que quando vou de propósito para ver não-sei-o-quê nunca vejo e acabo por ter encontros estranhos quando menos estou à espera.

Ando em pulgas para me ir embora daqui. Estou cansada, farta e preciso mesmo de uns bons mergulhos para ficar Zen outra vez.

O mergulho é um desporto muito completo, com competente física e psicológica. É preciso estar calmo em todas as situações para conseguir enfrentar imprevistos sem entrar em pânico. E é preciso também estar em boa forma física para aguentar a pedalada das correntes e os 20 quilos do equipamento (sem câmara fotográfica). Se estas condições não estiverem reunidas, é melhor nem sequer entrar na água.

Num dos mergulhos de caverna que fiz, há uns anos, houve um dos mergulhadores que se enrolou todo numa passagem rochosa. Não percebo como é que o gajo conseguiu fazer aquilo, mas tinha os tubos do equipamento todos emaranhados nas rochas. Normalmente, se não se entrar em pânico, temos treino para sair daquilo sozinhos. Até podemos tirar parte do equipamento debaixo de água, desemaranhar os tubos e vestir tudo outra vez. Aquele não. Entrou em pânico total e só dava mais voltas, piorando a situação. Seguindo a regra da solidariedade entre mergulhadores, lá fui eu tentar libertar o gajo. A primeira coisa que o cabrão me fez foi tentar arrancar-me o respirador da boca. Eu lá consegui evitar isso e a fazer-lhe sinais para se acalmar e respirar devagar fui desemaranhando os tubos, sem sequer precisar de lhe retirar o respirador. Se tal fosse necessário, eu teria sempre o meu respirador de reserva. Pelo que era perfeitamente desnecessário aquela besta ter-me puxado o respirador da boca. Quando chegámos à superfície o filho-da-mãe nem sequer me agradeceu, envergonhado por ter 1.92 m e se ter comportado como um bebé chorão e ter sido salvo por uma gaja de 45 quilos...Devia tê-lo deixado a apodrecer, mas sou boa samaritana. Este serviu-me como um exemplo perfeito de um gajo que não devia ter autorização para praticar o desporto.

E vou para por aqui porque esta posta está como eu: errática.Mal posso esperar por deixar isto tudo, andar na selva, cheirar a terra molhada e mergulhar no silêncio do "Grande Azul".

 

 


22
Set 06
publicado por parislasvegas, às 10:30link do post | comentar | ver comentários (10)

Todos os povos mediterrânicos, ou sulistas (mesmo os da América do Sul) têm uma adoração quase mística por gente de olho azul. Por sermos todos pequeninos e escuros, devemos ter um trauma qualquer que identifica alguns sinais genéticos do Norte como "superiores". Pessoalmente, acho que não existe estupidez maior e que, no séc. XXI já não há lugar para estas ideias retrógradas, diria mesmo nazis (eugénicas , se quiserem).

Vem a isto a propósito de uma das colegas de trabalho cá da casa que, mal o neto nasceu, me veio logo com as fotos do neo-nado com a exclamação orgulhosa "Ai, doutora, repare-me lá nestes olhinhos azuis!". Eu, que de bebés percebo pouco ou nada, pelo menos sei que todos nascem com os olhos de cor igual - olhinhos de cinza aguado. Não deve ser nada que a aquela senhora desconheça, porque ainda se deve lembrar da cor dos olhos dos dois filhos que teve. Não querendo ser desmancha prazeres, limitei-me a comentar que o bebé tinha um aspecto muito saudável (não sei porquê, isto é considerado uma ofensa para os portugueses - deve dizer-se sempre que é lindo. Saudável não se pode, ainda não percebi bem qual é o código de comportamento nestes casos...).

Ontem lá fui atacada novamente com as fotos do rebento, agora já com seis meses. A senhora em questão, espeta-me com uma foto do bebé (grande plano) e atira-me "Viu, viu como ele tem olhinho azul???é que o pai é FRANCÊS" com um ar orgulhosíssimo . Bom, primeiro o puto não tem nada o "olhinho azul", tem uns olhos muito escuros, entre o castanho e o verde profundo, não percebo onde é que a avô foi buscar o azul. E depois, essa do pai francês mata-me! Até parece que a criança tem algum tipo de superioridade genética à conta disso. Estamos feitos!

Eu limitei-me a sorrir com um ar aparvalhado e segui o meu caminho. Há coisas que eu não percebo mesmo. Quem é que na família não tem alguém com os olhos azuis??É uma cena assim tão "superior"??Eu que sou de origem alentejana encaro os olhos azuis como a lembrança, tansmitida de geração em geração, de alguma ceifeira moura apanhada a jeito nos campos por um bárbaro nórdico qualquer. Uma violação acidental  transformada em acidente genético recessivo. So what??

É pena que as pessoas ainda tenham esta mentalidade de "melhorar a raça" e tenho muita pena que considerem que o facto de casar com um estrangeiro europeu lhes vá melhorar o código genético dos descendentes. Eu sou a favor das misturas porque elas enriquecem as pessoas culturalmente e acho que os filhos de casamentos mistos são pessoas mais ricas do que as outras. Mas ninguém me consegue convencer que existem traços físicos "superiores" a outros.


21
Set 06
publicado por parislasvegas, às 10:25link do post | comentar | ver comentários (10)

Hoje de manhã, vinha presa nos engarrafamentos monstros de Paris, quando detectei atrás do meu carrinho uma bomba destas:

Lamborghini Murcielago

Como adoro carros, não resisti em ficar a olhar para esta obra de arte pelo retrovisor. Lá dentro, o irmão gémeo do Fabien Barthez falava pelo bluetooth do móvel com um ar muito excitado.

Pára. Arranca. Primeira. Segunda. E lá fomos a pastar pela auto-estrada a fora, até chegarmos ao Sena, e o trânsito clareou como se de um milagre se tratasse. O Murcielago avança, ultrapassa-me pela direita e lá dentro, o irmão gémeo do Barthez faz-me o sinal característico do "vai uma corridinha???".

Lotus Elise 111R

Ora o meu bólide laranja não é nenhum Ferrari, mas também anda longe de ser um calhambeque qualquer. Dos 0 aos 100 km h em pouco mais de 5 segundos é um bicho rápido, mas não se pode comparar a um Murcielago . Mas eu sempre fui assim. Pequenina sem noção do meu tamanho. Danada para a porrada, portanto.

E disparamos pelos túneis parisienses, a fintar o trânsito, até que a brincadeira acabou outra vez por causa do engarrafamento, já na zona do centro. Devo dizer que ganhei, mas não à conta do meu carro ser o mais rápido. Ganhei porque o senhor, que tinha matrícula do Sul de França, não está habituado a fintar parisienses. E eu já tenho quase um ano disso, todo o santo dia. Perdi-o de vista durante uns bons três quilómetros, até o reencontrar na rotunda a caminho dos Champs-Elysees . De longe, o irmão gémeo do Barthez levantou o polegar e acenou-me um adeus.

Esta manhã entrei toda inchada no escritório, ganhei uma corrida urbana a um Lamborghini. Eu sei que sou doente, mas farto-me de curtir com estas pequenas coisas...

 Ps - fui ver as prestações do modelo - Lamborghini Murcielago Roadster - dá dos 0 aos 100 em 3.8 segundos Auch!

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20
Set 06
publicado por parislasvegas, às 11:41link do post | comentar | ver comentários (2)

Escrevo esta posta a propósito das declarações do Papa e das reacções do "mundo islâmico" (o que quer que seja que essa merda queira dizer) às mesmas.

Eu quero lá saber de religiões ou do raio que os parta a todos. Acreditem lá no que bem quiserem, mas vamos lá com calma:

1. A liberdade de expressão é um dos fundamentos da democracia. "Exprimir-se" é declarar, DIZER coisas, não é andar a queimar merdas , atirar pedras a edifícios e a ameaçar toda a gente que explodem, que matam que esfolam. Entendido?

2. Quem quer respeito tem que se dar a ele. E isto vale para os dois lados. Independentemente das razões de cada um, a ideia de uma expansão muçulmana e da imposição forçada de uma religião (seja ela qual for ) e de códigos medievos ao mundo inteiro repugna-me, enoja-me, revolta-me.

3. Os laicos têm que começar a exprimir-se sem medo. Porra ! Vamos lá acabar com conflitos retrógados : chamemos os nomes aos bois - se é guerra pelo Petróleo, hegemonia o raio que parta os Americanos, então vamos chamar-lhe isso. A hipocrisia dos EUA tem contribuído sobremaneira para o renascimento dos movimentos religiosos fundamentalistas das três religiões do "Livro". Bardamerda para o politicamente correcto.

"deciding whose religion is less violent the traditional way"

 

4. Eu, como milhões de mulheres neste mundo, prefiro morrer a andar de Burka - aqui sou fundamentalista e não abro. Nem que seja preciso andar a fazer de Sniper nas ruas da Europa. Eu, que fugi da Igreja Católica, que não aceito sequer a religião que a minha cultura me quis impor , não vou nunca submeter-me a qualquer tipo de culto. E tenciono educar da mesma forma todos os filhos que venha a ter. Não me lixem.

 

 

 


publicado por parislasvegas, às 11:07link do post | comentar | ver comentários (3)

Enquanto aqui os jornais franceses destacam o golpe de Estado na Tailândia em primeira página, fui ler a edição on line do Expresso e o destaque era o seguinte:

"Mariza apanhada por golpe de Estado" - com a descrição do concerto da dita (até a Princesa aplaudiu de pé), o telefonema do Embaixador a avisá-la da mudança da situação política no país, e as preocupações da dita relativamente ao voo para Seul, que era suposto apanhar às 8 horas da manhã, e que agora já não sabe se levantará voo. Isto é: o que se retira do Expresso é que houve um golpe de Estado em Banguecoque que irá atrasar os concertos asiáticos da Mariza, coitada.

Esta tudo dito. Palavras pra quê?? São os verdadeiros artistas portugueses!


19
Set 06
publicado por parislasvegas, às 15:26link do post | comentar | ver comentários (5)

Li hoje (atrasada mas li) uma reportagem no Nouvel Observateur da semana passada sobre o tema da infidelidade conjugal. Em resumo, os senhores jornalistas, armados de muitos pergaminhos de muitos psicólogos vivos e mortos, argumentam que:

1. Raras espécies de mamíferos são monogâmicos;

2. NENHUM primata optou pela monogamia;

3. O casamento é uma instituição social motivada por razões económicas (divisão do trabalho);

4. TODOS, sem excepção, SOMOS POLIGÂMICOS, incluindo as mulheres que se fizeram de santas este tempo todo, devido à repressão social.

5. A revolução sexual veio libertar a mulher e caiu o mito que a infidelidade é um exclusivo masculino. Os homens são agora todos uns cornudos em potência.

6.( E aqui é que está o busilis da questão). APESAR DE SABER ISSO TUDO CONTINUAMOS À PROCURA DO AMOR ETERNO E A INSISTIR NA MONOGAMIA. PORQUÊ????

Bom, segundo os senhores jornalistas, armados de pergaminhos de psicólogos vivos e mortos, A CULPA É DAS MÃES. De todas as mães.

O primeiro amor que todos conhecemos é  o amor de mãe, incondicional, fusional, um amor que nos permite a indentificação de nós próprios e que nos permite também, a longo prazo, gostar de nós e dos outros. Ao mesmo tempo, passamos o resto da vida a perseguir esse amor nos nossos companheiros (as) - a procura inecessante de alguém que goste de nós incondicionalmente como as nossas mãezinhas.

Bom, desculpem lá, meus amigos, mas eu ando um bocadinho farta desta merda de pôr as culpas de tudo em cima das mães. Quer dizer, é um papel filha-da-puta de ingrato, não acham??? As mães cuidam, velam, ralham, educam e tentam preparar os filhos/as para o mundo o melhor que podem/sabem. Acho que já era altura mas é de agradecer e não de inventar novos traumas provocados pela figura materna no ser humano.

Isto tudo me faz reflectir que, afinal, o mundo gira à volta da vagina. Pode parecer mentira, mas ando a chegar à conclusão que é verdade. Outra verdade que me parece inegável é que metade da humanidade (a que não a tem) morre de medo da outra (a que a tem).

Também acho que já somos suficientemente crescidos para resolver esta merda a bem...

 

 

 

 


18
Set 06
publicado por parislasvegas, às 11:43link do post | comentar | ver comentários (4)

Já de rabo aos saltos (salvo seja) não ando a aguentar muito bem a estadia europeia forçada. Há um ano que não saio do Continente e já estou a ficar tontinha com tanta hegemonia do mundo Ocidental. A única viagem de intervalo que fiz, soube a pouco - uma semana num país muçulmano, formado por ilhotas perdidas no Equador - não satisfez a minha sede de mergulhar em culturas diferentes, embora tenha satisfeito a minha sede de mergulhar em florestas de corais e de dançar com barracudas. Não se pode ter tudo.

De resto, tirando o mergulho e o pôr do sol relâmpago, os cheiros da floresta tropical e os morcegos tamanho XXL que habitam aquelas paragens, tudo o que fiz poderia ter sido feito na praia de Armação de Pêra, na época em que aquilo andava cheio de franciús .

Bem tentei ignorar a malta que dançava a meio da tarde na aula de aqua-aerobics " na piscina, ou as hordas de gauleses que invadiam a praia para o beach volei " da manhã, mas numa ilha de 1 quilometro e tal perdida no meio do Índico, é difícil ir beber um copo a outro lado qualquer...

Como estava exausta, adorei a semana de imobilidade total, a perseguir Garças na praia e a fotografar morcegos no lusco-fusco. O espectáculo do pôr-do-sol em dois minutos compensava o bar atulhado de japoneses de Nikkon em punho e, final de contas, a ilha não era assim tão pequena que eu não tivesse podido desfrutar dos livros do meu amigo Kurkov em paz. Chegou a ser irónico eu estar ali esticadinha debaixo das palmeiras a ler sobre a depressão pós-soviética do Império. Adorei.

Irritei-me com a minha forma física, mas isso a culpa é exclusivamente minha. Ia toda entusiasmada com o mergulho com duas ideias erróneas pré-concebidas: a primeira era que eu não estava assim tão em baixo de forma (que estúpida...) e a segunda foi que pensei que o mergulho era tipo "aquário" sem correntes, fácil, fácil. Nada poderia estar mais longe da verdade. Apanhei correntes fortíssimas (daquelas de estar agarrada às pedras para conseguir ver qualquer coisa, porque senão passa-se pelos peixes e corais a mil à hora e não se vê um corno) e acabei por fazer só três mergulhos e acabar frustrada, cansada e mal-disposta porque a flora e a fauna valem a pena o esforço, mesmo depois de terem levado em cheio com um Tsunami.

Desta vez, não vou com ilusões. Vou tentar fazer os mergulhos que puder, mas escolhi um destino no Sudoeste Asiático, um país que admiro muito pela capacidade de juntar diversas culturas, raças e religiões, que me irá permitir o tal mergulho cultural que tanto me faz falta.

Escusado será dizer que já estou em pulgas e mal posso esperar por me meter dentro do avião. Vai na volta eu sou é viciada em jet lag "....


15
Set 06
publicado por parislasvegas, às 11:15link do post | comentar | ver comentários (1)

As manhãs de Sexta são sempre de grande agitação cá no bairro. Enquanto as criaditas saem para a volta matinal com as criancinhas e/ou os lulus das madames, as próprias andam numa azáfama pouco própria para saltos altos e taillers Channel .

Uso a palavra criaditas " no sentido em que esta era usada na Lisboa do século XIX. À semelhança do que acontecia nessa época e que se perdeu logo após o 25 de Abril, aqui as meninas jovens que servem nas casas dos senhores, ainda andam de farda (muito embora sem "crista"). Já não são jovens roliças de faces coradas, recém-chegadas da aldeia, são vietnamitas, filipinas e nigerianas, quase sempre de olhar perdido e sem sorrisos.

Enquanto as mulheres do terceiro-mundo se ocupam das suas crias e lulus de estimação, as madames reúnem-se nas esplanadas para o café matinal e, calculo, para exibirem as respectivas listas de convidados para a soirée de Sexta. Fumam longos cigarros antes de se resolverem a entrar nos traiteurs " onde encomendaram os manjares para o habitual jantar de negócios do marido (sim, que os chefs " estão caros e mais vale sustentar um burro a pão de ló). No traiteur " resplandecem lagostas recheadas e delicados pudins gelatinosos de camarão e caviar, que nunca estão ao gosto das madames. As discussões sobre o diâmetro do caranguejo e o número de peças encomendadas sucedem-se a um ritmo regular. Afinal de contas, para uma madame, a Sexta é o dia mais stressante da semana. Tanta coisa para organizar! Por fim, a visita ao caviste " com ordem expressa do Senhor da casa para retirar umas tantas garrafas de vinho raro da cave familiar.

A tarde é passada no recolhimento do lar, provavelmente de cama com a enxaqueca causada por tanta agitação matinal. Afinal, para receber os sócios do Senhor, é preciso repousar as rugas, para que a toilette da noite resplandeça e os diamantes produzam o efeito desejado.

 


12
Set 06
publicado por parislasvegas, às 16:33link do post | comentar | ver comentários (1)

Talvez seja verdade que Lisboa não mudou, até posso reconhecer que a mudança em mim tem sido mais profunda do que quero/posso admitir. Mas, mesmo assim, não há nada que iguale o nascer do Sol visto à beira do Tejo.

 

Ps - posta motivada pelo comentário da Blimunda à posta anterior + pelo nascer do Sol de Domingo passado, à beira Tejo, abraçada ao homem que amo.

 


11
Set 06
publicado por parislasvegas, às 17:02link do post | comentar | ver comentários (7)

Fim de semana em Lisboa, finalmente, após 4 meses de ausência. Embora o tempo não tenha dado para fazer nada de jeito, há várias impressões que me ficaram gravadas no espírito.

Talvez a diferença não esteja em Lisboa, talvez a diferença esteja no meu ponto de partida que, mudando, me mudou também a percepção do meu país e do ambiente que se vive na Capital. Vinda da ex-URSS, Portugal era um país organizado, moderno, limpo, desenvolvido mas com aquela modorra latina, quase africana da lentidão dos dias e da calma das gentes.

Vinda de França, Lisboa pareceu-me suja, triste e deprimida. Será apenas impressão minha??

A sujidade da cidade impressionou-me bastante. Para cúmulo, fui sair com uns amigos que vivem em Pequim. Ora não sendo Pequim a cidade mais desenvolvida e mais bonita do mundo( longe disso) a minha amiga chinesa estava verdadeiramente chocada com o ar vagabundo de uma Lisboa que conhece quase há 20 anos.

Não são apenas as ruas, desertas ao fim de semana para não variar, que se encontram sujas, desarrumadas com pedras da calçada soltas e buracos descomunais na estrada. São os prédios, encardidos, com pinturas tristes e descarnadas que mais me impressionaram. A Lisboa que eu deixei, há quase seis anos, estava a entrar num boom de reconversão e bom-gosto. Apostava mesmo em deixar regressar os jovens aos seu seio, para que se tornasse uma cidade habitada e não um fantasma com apenas repartições e escritórios. Não sei para onde foram essas intenções, provavelmente para o inferno, onde estão todas as boas, mas deprimiu-me. Deprimiu-me o deserto humano, o ar abandonado da cidade que eu mais gosto no mundo. Nem a luz de Lisboa, gloriosa, azul, única, lhe vale neste momento em que, puta envelhecida, não consegue mais atraír amantes.

O facto de não ter contactado com os amigos e família do costume, fez com que andasse, meio desamparada, exposta às relações com estranhos - os portugueses. Quer dizer, os lisboetas, ou o pouco que resta deles. Continuam gente simpática, aberta e conversadora, mas noto um nervosismo e um descontentamento que não pode ser justifcado apenas pela enorme crise económica que se vive. A crise, a outra, é, chamemos-lhe assim, moral. Isso mesmo. Moral no sentido dos códigos de vida instalados, das práticas sociais e privadas, no sentido da conduta, da forma como dirigimos o nosso comportamento todos os dias.

As pessoas andam brutas, de insulto fácil, ordinárias e sem respeito por terceiros, porque ninguém tem respeito por si próprio. Desanimados e sem dinheiro, já nem o passeio de Domingo no Colombo lhes vale, nem a praia na Caparica. Já nem o clima compensa o estado de letargia sócio-económica-mental.

Temo começar sentir falta de uma Lisboa que, se calhar, nem nunca existiu. Aquela que trago dentro da cabeça, a cidade luminosa que eu via com gosto a partir do Tejo, das idas ao cinema aos Domingos, dos passeios de eléctrico a caminho da Junqueira. A minha Lisboa da adolescência, das escapadelas nocturnas ao Bairro Alto, do Elevador de Santa Justa, da baixa apinhada de gente a fazer compras em lojecas curiosas como as retrosarias, drogarias e outras coisas que já não existem. De pessoas que diziam "se faz favor", "concerteza" e "muito obrigado", de velhotes que me tratavam por "minha menina".

Deslocada e estrangeirada, habituei-me a choques constantes com países terceiros. Não consigo é habituar-me ao choque cultural com a minha própria casa.

Estes post podem parecer "snobs" e mal dizentes. Não é essa a intenção. Estes posts são apenas a forma de exprimir a mágoa de ver a minha gente a afundar, sem que possa fazer grande coisa para contrariar essa tendência.

Por um lado, assusta-me a ideia de que vou ter que voltar a casa, um dia. Quero criar filhos em Portugal, quero que tenham raízes e referências. Mas, por outro lado, quando esse dia chegar, tenho a certeza que vai ser um desafio enorme para mim reaprender a viver num país que (quase) deixei de reconhecer. E eu adoro desafios.

 

 


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