Não me surpreenderam os dados do estudo sobre a saúde mental em Portugal.
Eu que não vivo no país, há muitos anos que reparo que as pessoas não podem estar a bater bem da cabeça. Como é que se pode ser um povo produtivo e bem-disposto quando a situação económica piora de ano a ano, quando se perdem cada vez mais empregos, quando os salários que se têm não chegam para sustentar a família, quando as pessoas andam afundadas em empréstimos e más relações com colegas, vizinhos e família?
É coisa que transparece no dia-a-dia, no nervosismo geral, na forma de brusca de tratamento social e na falta de paciência e tempo que a generalidade das pessoas têm seja para o que fôr.
Não é que os portugueses sejam uma cambada de desgraçados sem culpa do que está a acontecer, é verdade que os desgovernos generalizados e a irresponsabilidade dos privados contribui em larga medida para isso. Mesmo as famílias, muitas com prioridades trocadas, que nos anos 90 aproveitaram o boom económico para consumir e não para poupar, têm culpas no cartório.
Tudo isto é verdade mas, na minha opinião, agora que sabemos, preto no branco, que 23% dos portugueses sofrem duma doença mental, o essencial é atacar o problema.
Não sei como é que a estatística é feita, e sei que, em Portugal, como nos Estados Unidos, uma pessoa que esteja a passar por um desgosto ou quebra grave na sua vida é imediatamente diagnosticada como depressiva pelo médico de família. Alguns não são tratados porque se recusam, ou mesmo porque nem sequer têm acesso a tratamento. Outros levam logo com anti-depressivos e ansiolíticos e ficam a vegetar num limbo de paragem mental. Infelizmente, no nosso país o luto e o desgosto já não têm o mesmo respeito e espaço social que tinham antigamente. Hoje em dia, uma depressão circunstâncial e normal, transforma-se num problema de saúde sério.
Quando os tratamentos não são feitos à base de terapias, mas de químicos, é mais do que normal que as pessoas fiquem "presas" à medicação e que não consigam recuperar.
Talvez a razão de tudo isto seja o falhanço da nossa rede social. Eu lembro-me que quando morriam pessoas da família, a minha avó se vestia de preto o tempo regulamentar. que ia chorar para a casa das vizinhas o tempo regulamentar, que só falava da pessoa morta o tempo regulamentar. Passado esse tempo acabava-se. Era assim, havia um espaço, uma rede social e um tempo para se desprender, para sofrer a perca, o divórcio, a tragédia. Hoje em dia há que estar normal no dia a seguir e engolir o prozac da ordem.
Os 23% de portugueses que sofrem (na sua maioria de ansiedade e depressão) podem dizer-nos que este método não está a resultar. E já agora, uma melhoria nas condições de vida também ajudava....