Mergulhei de cabeça na vida real de Kiev, desde que me mudei para a nova casa. Estou numa das ruas centrais. À minha frente, o centro comercial mais caro da cidade: Monblanc, Gucci, Versace - you name it! Jipes, Hummers, Mercedes e BMs estacionados à porta com grande pompa.Loiras plásticas vestidas e arreadas com o dobro do meu ordenado mensal, entram e saem alegremente carregadas de sacos.Indiferentes à miséria. Afinal, a miséria vive do outro lado da rua, basta não girar a cabeça, que isso só agrava as rugas do pescoço.
No meu prédio vive uma senhora, desdentada, sozinha, suja e desleixada. Fabrica vodka caseiro (e ilegal) em casa, durante a noite (o pifo hoje era de tal ordem que mal consegui pregar olho), para começar a venda cerca das seis horas da manhã e até às 10, 11 da noite. A miséria dos alcoólicos, que não conseguem chegar ao preço da vodka legal, todos andrajosos e meio cegos, doentes e mal-cheirosos, está bem presente nos rostos tristes e nos olhares vazios. Habituados à companhia de putas e seus clientes estrangeiros e barrigudos, é com um sorriso que estes meus novos amigos me recebem todos os dias e cumprimentam educadamente, que é muito mais do que as estúpidas das loiras endinheiradas conseguem articular.
Assim, triste e deprimida, é esta a companhia que tem animado os meus dias. Conversamos sobre os meus cães e fazemos piadas em russo mais-ou-menos ordinário. Eu primeiro finjo que não percebo,mas faço questão de dar uma gargalhada sonora quando passo a esquina da rua.
Ontem fiquei preocupada: com um Jipalhão da polícia à porta, pensei que a minha vizinha traficante tinha sido apanhada. Lá se me ia a companhia....Mas, afinal, verifiquei que não passava de mais uma visita dos senhores agentes da autoridade a uma rapariguita solteira que vive, também, no prédio. Essa, continua a ser um mistério: só lhe vejo os amigos (e são bastantes) nunca a vi sair ou entrar em casa. O prédio tem três andares e eu vivo no último. Podia fazer-se um filme: "A bêbeda, a puta e a diplomata", no fundo poderiam ser facetas da mesma pessoa. De qualquer das formas, já são facetas da mesma realidade.