Hoje já quase não se fala nas negociações de ontem, ou das vontades da oposição (renúncia à violência por parte do governo e repetição da segunda volta das eleições). Hoje já só se fala na separação do país.
Durante esta manhã, milhares de pessoas reuniram-se em Donetsk (grande cidade mineira do Leste da Ucrânia) com um mar de bandeiras russas e ucranianas. Os deputados regionais subiram ao palanque e votaram em público uma proposta de Autonomia da região. A ideia agora é separar o país em dois, uma parte com "ligações especiais" à Rússia e outra parte mais "europeia".
Logo no início desta crise, utilizei a expressão "revolução do mexilhão". As pessoas, que ainda não saíram das ruas, só querem viver num país normal onde possam votar e saber que esse voto conta, e que não vai ser eliminado por esquemas. Querem um país onde se possa ver o noticiário sem ter que tentar ler as entrelinhas por causa da censura. Um sítio onde as pessoas normais, que lutam todos os dias para comer e pagar os estudos dos seus filhos, não sejam constantemente humilhados na rua pelas manadas de oligarcas tranquilamente instalados nos seus rolls royce, ou passeando as suas loiras vestidas de Versace. Esses estão na rua porque são os entalados. Mas esses são os que acabam sempre lixados.
Esta viragem de assunto, esta súbita focagem no problema da divisão do país, tem, na minha opinião, o apoio total de Putin. Penso que esta é a forma mais forte e assustadora que encontraram para chantagear Yushchenko e os seus milhares espalhados pelo país. De outra forma, não haveria nada a negociar a não ser a repetição das eleições e a passagem do poder para os "laranjas".
Acenando com o fantasma de uma separação, o Governo ucraniano não apenas assusta os seus próprios cidadãos ( toda a gente tem família espalhada pelos dois lados) como também põe a comunidade internacional de cabelos em pé. Só o Putin é que deve estar perdido de riso. Uma separação significa problemas profundos, não apenas políticos, mas também prácticos, de nível básico. Como por exemplo: como vai ser feito o abastecimento de gás natural à "parte europeia" da Ucrânia? Isto num país que depende do aquecimento central para sobreviver, é complicado. O que é que se faz aos pipelines que atravessam este país de um lado ao outro? Quem é que vai pagar as consequências de uma separação. A UE? A Rússia? Não. Claro que vão ser os desgraçados que estão há seis dias ao frio só porque querem democracia.