Histórias de uma portuga em movimento.
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Abr 06
publicado por parislasvegas, às 09:31link do post | comentar

E andamos outra vez nisto. Nem o governo cai, nem o pai almoça, nem a malta vai trabalhar, enfim, um belo de um impasse à maneira latina. Pelas andanças que tenho tido por esse mundo fora, ando cada vez mais convencida de que a política é uma ciência esotérica e que são necessários verdadeiros poderes sobrenaturais para perceber o que se anda a passar. É que racionalmente não vamos lá.

Não há comentário racionalizado ao que se anda a passar em França, tanto o Governo como o povo que anda nas ruas não estão a tomar atitudes racionais. O raio do contrato não me parece economicamente essencial para coisa nenhuma, poderia muito bem já ter sido retirado. E, de qualquer dos modos, o contrato não é a "Bête noire" que os sindicalistas referem, e com algumas modificações poderia passar sem mossas de maior.

O braço de ferro a que estamos a assistir na sociedade francesa está intimamente interligado com a crise generalizada que afecta todo o velho continente. Construímos um modelo social (nós não. eles todos) que é, infelizmente, demasiado pesado para se sustentar. Nem os nórdicos, cujos governantes vão a pé para o trabalho para não gastar dinheiro em carros e gasolina, estão a conseguir mantê-lo.

Já muito se tem falado, nos blogues de todos nós, da decadência do modelo social europeu do pós-guerra e das eventuais soluções para a situação. O modelo europeu está a morrer, e nós não sabemos bem como salvar o barco.

No caso francês, os trabalhadores fazem 35 horas semanais de trabalho. Estas 35 horas repercutem-se em vários sectores da sociedade: eles consomem mais, não apenas porque têm mais dinheiro disponível (o ordenado mínimo são 1.200 euros) mas também porque têm mais tempo. Muitos dias de folga são desencontrados e as horas a mais são compensadas com tempo livre. As lojas estão sempre cheias (quaisquer que sejam os preços que praticam) e os restaurantes a abarrotar.

Mesmo com as convulsões sociais dos últimos meses, se compararmos com Portugal, chegamos à conclusão inevitável que eles vivem incomparavelmente melhor do que nós.

E no entanto protestam. Protestam, porque num verdadeiro sistema democrático o povo não pode comer e calar. Porque nada do que é decidido pelos eleitos pode ser aplicado sem discussão pública. Todos os cidadãos têm consciência do que é ser cidadão, do que é ter direitos e deveres na condução dos destinos da República. O povo francês apercebe-se da morte do seu sistema e tenta agarrar-se ao que tem.

Aparentemente, nós somos os parentes pobres da Europa que, não apenas vivemos mal, mas ainda nos calamos quando nos põem a viver pior. Andamos às migalhas e ficamos satisfeitos só por manter o nosso posto de trabalho. Mas também não discutimos nada, não debatemos, reparem bem: nós nem sequer votamos.

Um país não é feito de governantes, é feito de pessoas. Mesmo depois do 25 de Abril, essa é uma lição que os portugueses ainda não aprenderam. Ou talvez, simplesmente, não estejam para se chatear.

 

 


Os direitos conquistados nunca estão garantidos, temos que lutar por eles todos os dias, e temos também que lutar por mais justiça.
Infelizmente o nosso povo não tão unido nem tão solidário como o francês, e é mais acomodado também.
Pior de tudo é diáriamente haver nos jornais artigos de opinião em que, se criticam as manifs e as greves e a dizer aos portugueses para não fazerem porque não serve de nada e ainda piora tudo, é nojento e revoltante.
Helder a 4 de Abril de 2006 às 23:25

Objectivamente as manifestações pioram sempre momentaneamente a situação de um país. É péssimo para o turismo, e é muito mau para a produtividade em geral. Mas o objectivo é melhorar as coisas, não é criar instabilidade gratuíta. Eu considero que o grande problema português é que as pessoas já não acreditam em nada, muito menos na utilidade de uma manifestação. Nesse sentido, também não culpo as pessoas. A verdade é que há mais de 30 anos que nos prometem um país que nunca vai existir. O que eu aponto aos portugueses, precisamente, é a falta de debate de ideias sobre a situação do país. Só trocando impressões e com o público a exigir saber o que na realidade se passa (principalmente a nível de finanças públicas , onde papamos tudo o que os vários governos nos dizem, mas ninguém se dá ao trabalho de analisar as contas reais) é que se podem encontrar soluções. Criticar à distância também é muito fácil.
Como é óbvio, a solução tem que vir de dentro
parislasvegas a 5 de Abril de 2006 às 14:26

Por isso eu sou um grande defensor da democracia participada, defendo que devia haver empenho real de todos os cidadãos, não deviamos estar simplesmente limitados a votar e nada mais.
Essa iniciativa também teria que partir do poder politico e não apenas dos cidadãos mas, como é óbvio o poder politico não quer abdicar de um bocadinho de poder, e esquecem-se sempre que somos nós que os colocamos nesse mesmo poder, mas a culpa também é nossa porque não os relembramos disso , nem sequer na altura de votar.
Helder a 5 de Abril de 2006 às 16:05

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