As manhãs de Sexta são sempre de grande agitação cá no bairro. Enquanto as criaditas saem para a volta matinal com as criancinhas e/ou os lulus das madames, as próprias andam numa azáfama pouco própria para saltos altos e taillers Channel .
Uso a palavra criaditas " no sentido em que esta era usada na Lisboa do século XIX. À semelhança do que acontecia nessa época e que se perdeu logo após o 25 de Abril, aqui as meninas jovens que servem nas casas dos senhores, ainda andam de farda (muito embora sem "crista"). Já não são jovens roliças de faces coradas, recém-chegadas da aldeia, são vietnamitas, filipinas e nigerianas, quase sempre de olhar perdido e sem sorrisos.
Enquanto as mulheres do terceiro-mundo se ocupam das suas crias e lulus de estimação, as madames reúnem-se nas esplanadas para o café matinal e, calculo, para exibirem as respectivas listas de convidados para a soirée de Sexta. Fumam longos cigarros antes de se resolverem a entrar nos traiteurs " onde encomendaram os manjares para o habitual jantar de negócios do marido (sim, que os chefs " estão caros e mais vale sustentar um burro a pão de ló). No traiteur " resplandecem lagostas recheadas e delicados pudins gelatinosos de camarão e caviar, que nunca estão ao gosto das madames. As discussões sobre o diâmetro do caranguejo e o número de peças encomendadas sucedem-se a um ritmo regular. Afinal de contas, para uma madame, a Sexta é o dia mais stressante da semana. Tanta coisa para organizar! Por fim, a visita ao caviste " com ordem expressa do Senhor da casa para retirar umas tantas garrafas de vinho raro da cave familiar.
A tarde é passada no recolhimento do lar, provavelmente de cama com a enxaqueca causada por tanta agitação matinal. Afinal, para receber os sócios do Senhor, é preciso repousar as rugas, para que a toilette da noite resplandeça e os diamantes produzam o efeito desejado.