E andamos outra vez nisto. Nem o governo cai, nem o pai almoça, nem a malta vai trabalhar, enfim, um belo de um impasse à maneira latina. Pelas andanças que tenho tido por esse mundo fora, ando cada vez mais convencida de que a política é uma ciência esotérica e que são necessários verdadeiros poderes sobrenaturais para perceber o que se anda a passar. É que racionalmente não vamos lá.
Não há comentário racionalizado ao que se anda a passar em França, tanto o Governo como o povo que anda nas ruas não estão a tomar atitudes racionais. O raio do contrato não me parece economicamente essencial para coisa nenhuma, poderia muito bem já ter sido retirado. E, de qualquer dos modos, o contrato não é a "Bête noire" que os sindicalistas referem, e com algumas modificações poderia passar sem mossas de maior.
O braço de ferro a que estamos a assistir na sociedade francesa está intimamente interligado com a crise generalizada que afecta todo o velho continente. Construímos um modelo social (nós não. eles todos) que é, infelizmente, demasiado pesado para se sustentar. Nem os nórdicos, cujos governantes vão a pé para o trabalho para não gastar dinheiro em carros e gasolina, estão a conseguir mantê-lo.
Já muito se tem falado, nos blogues de todos nós, da decadência do modelo social europeu do pós-guerra e das eventuais soluções para a situação. O modelo europeu está a morrer, e nós não sabemos bem como salvar o barco.
No caso francês, os trabalhadores fazem 35 horas semanais de trabalho. Estas 35 horas repercutem-se em vários sectores da sociedade: eles consomem mais, não apenas porque têm mais dinheiro disponível (o ordenado mínimo são 1.200 euros) mas também porque têm mais tempo. Muitos dias de folga são desencontrados e as horas a mais são compensadas com tempo livre. As lojas estão sempre cheias (quaisquer que sejam os preços que praticam) e os restaurantes a abarrotar.
Mesmo com as convulsões sociais dos últimos meses, se compararmos com Portugal, chegamos à conclusão inevitável que eles vivem incomparavelmente melhor do que nós.
E no entanto protestam. Protestam, porque num verdadeiro sistema democrático o povo não pode comer e calar. Porque nada do que é decidido pelos eleitos pode ser aplicado sem discussão pública. Todos os cidadãos têm consciência do que é ser cidadão, do que é ter direitos e deveres na condução dos destinos da República. O povo francês apercebe-se da morte do seu sistema e tenta agarrar-se ao que tem.
Aparentemente, nós somos os parentes pobres da Europa que, não apenas vivemos mal, mas ainda nos calamos quando nos põem a viver pior. Andamos às migalhas e ficamos satisfeitos só por manter o nosso posto de trabalho. Mas também não discutimos nada, não debatemos, reparem bem: nós nem sequer votamos.
Um país não é feito de governantes, é feito de pessoas. Mesmo depois do 25 de Abril, essa é uma lição que os portugueses ainda não aprenderam. Ou talvez, simplesmente, não estejam para se chatear.